Era um amor
Publicado a na categoria Memória de Elefante
Era um amor que vivia de gargalhadas.
Quando ele não estava em casa, ela continuava a conseguir ouvi-las ecoar.
Ficavam lá (as gargalhadas) à espera dele, penduradas nas paredes.
Era um amor que se alimentava de disparates. Quando ele não estava em casa, ela ria-se sozinha. Ficavam lá (os disparates) à espera dele — e quem enfiasse as mãos entre as almofadas dos sofás podia senti-los a pespegarem-se aos dedos.
Era um amor acentuado pelas festas. Quando ele não estava em casa, ela quase que podia adivinhar-lhe as mãos a desembaraçarem-lhe o cabelo.
Ficavam lá (as festas) à espera dele, deitadas no soalho encerado.
Era um amor celebrado com poesia. Quando ele não estava em casa, ela fechava os olhos e, imediatamente, um sussurro da ausência dele transformava-se num soneto.
Ficava lá (a poesia) à espera dele, a deambular pelos corredores da casa.
Por isso, quando ele finalmente chegou, todos correram para o receber: as gargalhadas nem esperaram pelo elevador e abraçaram-no primeiro.
Os disparates não se fizeram esperar, assaltaram-no antes de ter sequer tempo de abrir a caixa do correio.
Seguiram-se as festas, sequiosas. Despentearam-no e arrastaram-no para dentro de casa.
Mas foi a Poesia que fechou a porta, devagarinho.
E a partir daí, não se ouviu mais nenhum barulho.
Claro. (Era um silêncio muito confortável a marcar o compasso da felicidade.)
in “Deve Ser Isto O Amor”
Rita Ferro Rodrigues
Lindo! Não são necessárias palavras tudo está lá…