Quando os bons se calam

“Vi uma reportagem sobre a Assembleia do Sporting. E houve um aspecto que me chamou a atenção. Nas intermináveis filas o ambiente era de tensão. Silêncio e gravidade. Quando a repórter pedia opiniões, a maior parte dos inquiridos respondia com generalidades, sem revelar o sentido do seu voto, ou fazendo-o de forma críptica. Quando, num segundo momento, o populista agora destituído apareceu entre apoiantes e guarda-costas, as imagens mostraram uma claque barulhenta e intimidatória. O ruído foi tanto que, à boca das urnas e antes da contagem dos votos, os comentadores pensaram que o populista agora destituído poderia vencer.

Sabe-se agora que perdeu e que o sentido de voto contra o populista agora destituído era largamente maioritário. Mas o populismo é assim. Recruta a ralé. Os mentecaptos. Os psicopatas. Dá-lhes voz, pão, uma razão de vida, um inimigo, uma excitação nas amígdalas. O populismo é de início uma violência verbal, um apelo ao ódio e aos maus sentimentos: a inveja, o racismo, a xenofobia. Depois, rapidamente, transforma-se numa violência real, uma permanente intimidação. As pessoas normais têm medo. Medo da insensatez, da desrazão, da retaliação. Os mais timoratos afastam-se. Os mais saudáveis tentam proteger a saúde. Os mais fracos encolhem-se. Os mais cansados desistem. Os que não conhecem a história pensam que haverá, algures, um casulo de paz. E o caminho fica livre para os populistas.

Em Itália o populismo entrou com um palhaço e houve quem achasse graça. Hoje está no governo e aplica as receitas que levaram ao poder os partidos salvíficos e totalitários do século XX: ocupar aquilo a que os marxistas chamavam o aparelho repressivo do Estado. Em Portugal, onde tudo chega um pouco mais tarde, o populismo entrou pelo futebol. Derrotado nas urnas do Sporting pelos sportinguistas normais, que souberam criar linhas de resistência, ainda veremos o populista agora destituído criar um partido e alargar a sua cruzada.”

 

Este texto do Luís Januário impressionou-me muito pela sua lucidez e verdade (e também pela reflexão e angústia que o mesmo encerra).

O Luís parte do exemplo – bastante elucidativo – do ex-Presidente do Sporting, proponho alargar a discussão e reflectir sobre todos os populistas e os populismos alimentados diariamente nas redes sociais por milhares de pessoas. Páginas com perfis falsos, páginas com perfis verdadeiros a trabalhar para alimentar interesses obscuros e organizações criminosas, pessoas e empresas cujo trabalho diário e planeado, é espalhar boatos e notícias falsas sobre outras pessoas.

Vamos reflectir sobre este ciclo criminoso e impune?

Alguém publica uma notícia falsa sobre outra pessoa. Esse alguém constrói um texto mentiroso e lança um boato. Esse texto destila ódio (o ódio como o Luís explicou lá em cima é um detonador muito eficaz de partilhas). Se o texto envolver uma figura pública mediática, o sucesso está garantido. As pessoas partilham sem sequer querer saber a verdade. Cavalgam o ódio como forma de descarregarem as suas próprias frustrações e sentimentos de injustiça. Depois seguem-se as revistas e revistecas, sites ditos de informação, jornais online que partilham a “notícia” como se fosse verdade. Não investigam, não questionam, pois também eles precisam de cliques, de likes, de seguidores para alimentarem os seus negócios – e, já se sabe, o ódio vende, o conflito vende, o enxovalho vende, a mentira vende e a verdade nada interessa, não tem graça nenhuma, não galvaniza ninguém. E assim está feito o serviço. O esgoto desaguou e completou a sua função: dar muitas visualizações, likes e seguidores aos populistas do teclado: manchar o nome de alguém com uma notícia falsa ou um boato. Os populistas do teclado movem-se, ou pelo desejo fútil de palco e de fama, ou estão a soldo de organizações criminosas ou acumulam as duas valências.

Mas eis que chega a verdade: a notícia era falsa. O que interessa a verdade? Nada. Zero. Os populistas do teclado jamais pedem desculpas ou voltam atrás. Raríssimas vezes rectificam a informação falsa que propagaram. Isso será mortal para o negócio. Os seus seguidores? Assobiam para o ar e fazem de conta que não leram. Que não viram. Querem continuar a ser alimentados de ódio – são manipulados e sabem-no mas a verdade é que não querem deixar de sentir prazer em fazer parte do ritual de destruição público de alguém. Isso faz com que se sintam poderosos, superiores, fortes. A triste ilusão de fazer parte de um grupo de justiceiros envenenados e primários. Por incrível que pareça, há quem viva para sentir isto, sentir-se parte de alguma coisa mesmo que essa coisa seja uma sarjeta imunda e doentia.

Restam, como diz o Luís Januário, as pessoas normais. Estão em esmagadora maioria e sim, para evitar conflitos, optam pelo silêncio. E cada vez que optam pelo silêncio, cada vez que permitem sem reacção que um inocente seja atropelado nas redes sociais pela mentira e boataria organizada do populismo, estão a ser cúmplices de um retrocesso civilizacional. Estão a regar o terreno do crime, da devassa, da calúnia, da mentira. Os bons não podem ficar em silêncio.

Termino este texto com um pedido: antes de partilhar, reflicta. Decida se quer propagar mentiras e notícias falsas e exerça empatia. Ou seja, pense no que sentiria se fosse o alvo dessas calúnias. Se tiver coragem e sentido de justiça, não fique em silêncio perante um populista. Actue de forma inteligente. Não entre em confronto directo, não lhe dê palco (esse conflito é, por norma, o que o populista mais deseja) mas não o deixe prosseguir. Deixe de seguir (se for o caso), denuncie às autoridades fiscalizadoras da rede social em questão, alerte os seus familiares e amigos.

Faça a diferença.

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