Se eu desafogasse

Pedir-te-ia desculpa por não me lembrar nem de metade daquilo que sei que fizeste por mim. Por não me conseguir recordar de todas as vezes em que o teu olhar resplandecia quando me davas carinho, e da tua constante ternura comigo.

Tenho vergonha de me esquecer cada vez mais do teu cheiro, do teu abraço e do teu toque. E de saber que são poucas as imagens que tenho na memória de nós juntos, comparadas a todas aquelas que existiram.

Já deveria ter ultrapassado, pois dizem que o tempo cura tudo e que o presente e o futuro são as visões que temos de seguir. Mas não me consigo desprender do passado em que sei que fui verdadeiramente feliz, principalmente sabendo que poderia ter sido muito melhor, e não fui. Talvez o meu verdadeiro luto esteja a ser feito agora. Agora que estou mais tempo fora de casa a tentar ser alguém, alguém a sério, de quem te pudesses orgulhar se cá estivesses.

Não sei muito bem como isso funciona e se é ou não verdade que estás a ver-me, mesmo não estando aqui. Mas se estiveres, desculpa. Desculpa por não ter sido forte na altura em que a mãe precisava de mim, desculpa por ter feito com que a vida dela fosse ainda mais difícil, e por não ter tido maturidade suficiente para tornar tudo isto mais leve.

Confesso que ultimamente, tenho chorado muito, na maior parte das vezes sozinha. E à medida que vou chorando penso no porquê de o estar a fazer. Penso naquilo que me faz chorar mais, naquilo que dói mais. Se choro porque sinto a tua falta, pois não me lembro daquilo que me queria lembrar, por não saber se fui ou não suficiente para ti e se terias ou não orgulho no que sou hoje.

Se choro porque a mágoa é demasiada e não a consigo exprimir de outra forma. Se pela dor que imagino que a mãe sente, de como seria perder o amor de uma vida, e mesmo assim seguir em frente sabendo que lhe dói mil vezes mais a ela do que me dói a mim, sem saber como o faz para viver.

Ou se choro por mais de mil e uma razões que me fazem pensar o porquê de estarmos aqui, só alguns, a tentar fazer alguma coisa que de nada evita a morte. E por mais felizes que sejamos, não iremos conseguir, nunca, partilhar essa felicidade com todos aqueles que queríamos que estivessem aqui.

Por isso tenho um peso enorme comigo, um peso que me irá acompanhar sempre. Mas prometo-te que de uma maneira ou de outra, irei chegar àquilo que quero. Quero dar-lhe aquilo que sei que lhe darias todos os dias. Mesmo sabendo que por mais conforto que lhe possa vir a dar um dia, por mais amor e por mais presentes ou boas condições, com certeza nada disso poderia se comparar à tua presença, à necessidade que ela tem, ainda hoje, da tua presença.

Percebo quando diz que não quer mais ninguém, que não precisa e que nunca iria dar certo. Pois basta ver e recordar em algumas fotografias o vosso amor. É o amor de uma vida. O amor que todos gostariam de ter um dia, por mais curto que fosse.

E o problema foi mesmo esse, ter sido curto demais, tanto para ela como para mim que sinto a infelicidade de não poder ter tido a chance de aprender mais e mais contigo. Logo tu, que tinhas tanto para ensinar.

Sabes, se um dia me casar, não consigo imaginar o vazio que sentiria nesse dia por não poderes estar lá, por não me acompanhares até lá. Sei que até posso pedir a outras pessoas para o fazerem, mas gostava de ir sozinha. Gostava de ir sozinha, imaginando que estarias ao meu lado. Porra, queria tanto que estivesses ao meu lado.

No fundo, não sei se todas estas palavras conscientes são sinónimos de uma depressão, que não vinha nada a calhar nesta fase do campeonato, ou se são apenas um reflexo de uma longa saudade que permanece dentro de mim, e que de vez em quando, preciso de a expressar um bocadinho.

 

Nota sobre a autora

Chamo-me Inês Ferreira Lopes, tenho 18 anos e sou da Figueira da Foz. Encontro-me a meio da licenciatura em Estudos Clássicos, com menor em português.

Apesar de gostar imenso de ler, escrever sempre foi a minha paixão por sentir o peso das palavras e por me identificar com variadíssimos géneros literários.

Instagram: @sobolosolhosmeus

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1 comentário em “Se eu desafogasse

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