Páginas de história

O dia amanhece. O tempo, agora estanque, vem poisar sobre cada um de nós e é o nosso melhor amigo, embora alguns não saibam.

Dou por mim a sonhar com o tal dia. Ainda uma miragem, tento vislumbrá-lo. O dia em que tudo isto termina definitivamente. O dia em que possamos ser livres, sem restrições, e sentir o cheiro das ruas, ouvir o ruído que inusitadamente tanta falta nos faz. Sentir as pessoas ou somente observá-las a passearem, felizes, sem esse medo estranho que se apodera de nós e nos faz desviar, como se de um ato de repulsa dos nossos semelhantes se tratasse. O dia dos abraços, dos beijos, da comoção que creio poder tomar conta de nós. O dia da festa e da felicidade.

E que despautério o nosso termos desde sempre dado como garantidos todos os gestos, todas as atividades que nos parecem agora relíquias impagáveis! Quero acreditar que seremos mais gratos depois do caos ou não teremos aprendido nada. Na luta desenfreada que se seguirá para nos reerguermos, de dias mais austeros depois da passagem deste implacável bicho, não pode deixar de haver espaço nem o tempo agora arrastado, para a contemplação. O café saboreado na esplanada, o encontro com os amigos, um passeio pelas ruas das cidades cobertas de gente ou um concerto com milhares de espectadores ecoando euforia. Tudo isso é digno de ser apreciado e merece-nos gratidão. Das que temos que perpetuar no tempo.

Ultimamente, quiçá não fortuitamente, tem-me vindo à memória o dia 10 de julho de 2016. Gosto de futebol, é um facto. Mas presumo que não seja circunstância imperativa para que grande parte dos portugueses tenha gravada na memória aquela que é uma das páginas mais bonitas da nossa história: a inédita conquista de um campeonato europeu de futebol, há muito almejada. E que conquista sofrida! Ao longo de um mês, acompanhámos à distância, mas mais perto e mais unidos que nunca, aqueles que nos representavam. Sentimo-nos mais um em campo, mais dez milhões. Fase após fase, fomos vibrando e sofrendo juntos, num misto de nervos, lágrimas e alegria, acreditando cada vez mais, ao mesmo tempo que vivíamos numa esperança contida, não fosse repetir-se o desaire que nos deitou por terra doze anos antes. E juntos, fomos as vozes que gritavam para dentro do campo nos momentos mais decisivos, fomos aqueles que não estando, estavam. E sabíamos, quando as coisas não corriam bem, que não podíamos desistir. Era preciso reajustar, mudar a tática e lutar até ao fim de cabeça erguida. Findo o derradeiro jogo, o triunfo épico. Nunca tamanha proeza havia sido alcançada. E aí, mais ligados que nunca, entre gritos de alegria e lágrimas de emoção perante o resultado de um duro percurso, falou o orgulho de ser nação. Ainda incrédulos, mas com uma certeza: escrevemos o nosso nome na história do futebol e o futebol escreveu o seu na história do país.

Perdoem-me a insensatez da analogia! Mas julgo que em circunstâncias completamente diferentes, agora tão adversas e severas, muitos dos valores que se impõem são os mesmos. E até as emoções e os sentimentos vividos similares. O percurso ainda é longo, é certo. Mas a certeza é a de que nos cabe a nossa parte. Há que manter o espírito de união e solidariedade e gritar em uníssono, para que os que estão dentro do campo de batalha sintam que não estão sós, que lhes estamos reconhecidos e se sintam abraçados por uma corrente de força que nos liga. Entretanto, deitamos a mão aos companheiros que foram derrubados no campo, amparamo-los para que sintam força para voltar ao jogo da vida. E com mazelas que são inegáveis, ou não fosse o adversário inclemente, reerguer-nos-emos.

Esse será o dia. De novo o abraço e a comoção; a alegria de viver. Pelo menos é o que gosto de pensar. Mais uma página escrita na história, das menos bonitas indubitavelmente, mas de valiosas lições, das que mostram de que massa somos feitos.

Sem nunca a esquecermos, depois de preenchida é hora de continuar o livro e começar uma nova página, com uma história mais bonita.

Nota sobra a autora 

O meu nome é Isabel Pires, tenho 24 anos e sou natural de Bragança. Embora sendo licenciada em Enfermagem e a frequentar mestrado em Gestão de unidades de saúde, sempre me cativou o Português enquanto disciplina, a leitura e a escrita.

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1 comentário em “Páginas de história

  1. Olá querida afilhada,
    Tanto tu como a tua irmã sois superdotadas para a escrita, já sabíamos.
    Mais importante ainda, são os valores e os sentimentos que revelais no que ides dizendo.
    Beijinhos.
    Padrinho.

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