Diário de uma Enfermeira quarentona em tempos de pandemia: Parte V

Primeiro de sete dias de evicção.
(no meu hospital as equipas de enfermagem destacadas para a Linha da Frente trabalham uma semana seguida sem folgas ficando na semana seguinte em casa).

Mas hoje o dia é especial!! (não só pela folga…) Mas porque O Homem cá de casa está de Parabéns!!!

Se não fosse este Covid estaríamos os cinco a comemorar em terras de sua majestade, mas as voltas da microbiologia não se conseguem controlar.

Apesar da Pandemia que veio adiar alguns sonhos, tentei que o dia fosse especial começando com um pequeno-almoço virtual com as miúdas em vídeo-chamada, acabando num jantar surpresa, delicioso, que o nosso Chef Portuense preferido nos privilegiou ao ter trazido cá a casa (Chef Vasco Coelho Santos – tenho a certeza que ele não se importa da inconfidência)!

Tentei que a tristeza da distância que o separa da minha enteada fosse suportável mas, quando na vídeo-chamada os seus bonitos olhos escuros, grandes e de miúda adolescente começaram a afogar-se…
A minha enteada é um doce! É um equilíbrio entre teimosia e sensibilidade. Tem a capacidade de chorar com a tristeza mas, também, com a alegria (quando recebeu de prenda de natal o bilhete para o concerto da Billie Eilish era vê-la a chorar baba e ranho…).

Foi nesse instante que, a cinco, se fez um juramento assente numa almofada de sonhos: quando isto tudo acabar vamos festejar dia e noite, disse o pai! E todas nós concordamos! Vamos festejar o fim da distância; o fim da saudade de ter a casa de pernas para o ar; o fim do silêncio de as ter, às três, às gargalhadas e ele a pedir para elas rirem mais baixo porque temos vizinhos..; o fim do sossego das tardes de jogos na Wii em que nos obrigam a dançar; o fim dos quartos vazios com as camas muito bem feitas… Ai, como eu quero este fim que me tortura o discernimento da alma e me espreme o sangue que percorre o meu coração!

Terminamos o dia na nossa varanda. A contemplar, no horizonte, o mar espelhado pelo sol.

– Lembras-te?, disse-me ele. Há seis meses estávamos a viajar pela Tailândia a comer na praia aquela sopa que tu adoras (Tom Yum Soup) e a devorar Mango Sticky Rice, e hoje, só podemos percorrer o caminho de casa para o hospital e do hospital para casa.

Eu não respondi. Ficamos calados. A falar para dentro de nós. Não consigo adivinhar os seus monólogos mas não devem ser muito diferentes dos meus: sonhamos em pisar a nossa areia na nossa praia e mergulhar no nosso mar.

Livres.

Os Cinco.

Nota sobre a autora

Chamo-me Joana. Tenho 40 anos e sou muitas coisas… filha, irmã, enfermeira, formadora…mas a mais difícil de todas… sou Mãe, Boadrasta e Mulher. Escrevo para libertar o que me vai cá dentro…

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2 comentários em “Diário de uma Enfermeira quarentona em tempos de pandemia: Parte V

  1. Querida Joana, só tem de se concentrar na verdade abençoada de que tem tudo isso à sua espera, para conseguir a inimaginável coragem de continuar a ajudar os que não terão … ???

  2. Que sublime introspecção da vida pré-covid 19…que rapidamente cheguem os dias da tão almejada liberdade…sim daremos importância ao que verdadeiramente é importante…beijinhos Joaninha e cuida te…tu que estás na “linha da frente”.

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