Deixar Ir

Quando somos pequenos, achamos que queremos ser adultos. Quando somos adultos, voltamos a querer ser pequenos. Quando somos pequenos, achamos que quando formos adultos vamos ter todas as certezas do mundo. Afinal, os adultos à nossa volta sabem sempre como resolver tudo. Mas quando somos adultos percebemos que as poucas certezas que tínhamos quando pequenos eram suficientes. Afinal, os pequenos são felizes com muito pouco. Quando somos adultos percebemos que afinal não temos assim tantas certezas e, às vezes, até duvidamos daquelas que achamos ter.

A única certeza que preciso de ter na vida é a de quem são as minhas pessoas. De quem são os meus. E, às vezes, até nesse campo as coisas nos podem parecer nubladas. Essa é a certeza que eu quero ter. Porque ainda que o resto não passe de uma bola de neve de incertezas, ainda que não saiba exatamente o que quero fazer, ainda que sinta que o chão me desaba mais uma vez debaixo dos pés, tenho a certeza que vai ficar tudo bem porque também tenho a certeza de que esses, os meus, estarão lá. Esses, os meus, nunca me falham.

São os que estiveram lá quando o meu mundo parou. São os que estiveram lá quando o meu mundo voltou a parar. São os que estão lá todos os dias e fazem com que ele continue. Mesmo que não saibam. E muitas vezes não sabem. Somos todos casas uns dos outros. E esses, os meus, são as minhas.

E se é importante manter as nossas pessoas por perto, também é importante deixar ir as que não nos fazem sentir em casa. É importante perceber quem desistiu de nós para que também possamos desistir deles. É importante perceber quando o amor já não chega. Ou melhor, que o amor só chega se partir e chegar a duas casas. É importante perceber que não vale a pena remar contra a maré e dar a quem só recebe. É importante saber perdoar, é importante saber dar segundas oportunidades, é importante saber quando nós próprios falhamos, mas também é importante, muito, aceitar que o outro já não é um dos nossos. Que talvez nunca tenha sido.

Esperamos conversas que nunca chegam. Esperamos telefonemas e mensagens que nunca chegamos a receber. Esperamos “obrigadas” e pedidos de desculpa que nunca acontecem. Esperamos mudanças que nunca vemos e atitudes que nunca mudam. Esperamos que o tempo volte atrás para que se possa ser tudo diferente.  Esperamos que não nos falhem, uma e outra vez. Esperamos que percebam que ainda podem remediar as coisas. Esperamos que ainda nos queiram ouvir. Que ainda nos queiram falar. Mas não percebem, não querem ouvir, nem querem falar. E é aí, nesse momento, que devemos perceber que não podemos ocupar um lugar que já não é nosso. Não podemos ocupar um lugar que já não pode ser ocupado. Não podemos ocupar um lugar na vida de quem já não quer pertencer à nossa.

Recordamos o que foi bom. Ficamos com a mágoa do que foi mau ou do que não chegou a ser. A mágoa do que não partilhamos, mas queríamos ter partilhado. A mágoa da visita que esperávamos ter recebido, mas não recebemos. A mágoa de saber que o tempo não parou, não esperou por nós e que um dia pode ser tarde. A mágoa de saber que, nesse dia, ainda que voltem, não voltam a tempo.

A única certeza que preciso de ter na vida é a de que dou tudo de mim a quem me dá tudo de si. É saber que não falho a quem não me falha, com tudo que isto possa querer dizer. Saber que estou lá nos momentos mais importantes, mas também nos mais banais. Saber que tenho sempre tempo para um café, para uma conversa. Saber que tenho humildade para corrigir os meus erros, engolir o meu orgulho, pedir desculpa e agradecer. E saber que, em momento algum, me posso tornar na pessoa que temos de deixar ir.

 

 

Marta Pires

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2 comentários em “Deixar Ir

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