Ao meu pai, por me ensinar a sorrir para a vida

Sei que hoje o dia não é da criança, mas isto tem tudo a ver com a infância. Uma daquelas felizes, como vemos nos filmes. Sei que hoje é Dia do Pai, e isto também tem tudo a ver com o meu. Porque hoje não é só o dia em que chegava da escola ansiosa por lhe dar o presente que tinha feito, com a convicção de que era o melhor presente do mundo. Hoje também lhe dava um beijo de parabéns e inventava uma das minhas surpresas, também convicta de que seria a melhor surpresa do mundo. Sempre gostei de fazer surpresas, sempre fui sonhadora e sempre mantive em mim parte da criança que, neste dia, entregava orgulhosamente o tal presente. Essa criança ingénua, esperançosa, feliz, de alegria renovada e olhar brilhante. Como ele. Sempre de sorriso para a vida. A contar que ela, generosa, sorrisse de volta.

E sorriu. Não o posso negar. Tive a infância perfeita. A família toda sempre perto, os quatros melhores avós que alguém pode ter, uma casa no campo, muitos primos com quem brincar, a liberdade e a sorte imensa de brincar na rua, mesas sempre cheias, em cima e à volta. Tive tudo. Não só o material, mas sobretudo a matéria. Aquela de que deve ser feita a infância. A mesma que ainda hoje me permite ser um bocadinho dessa criança. Até na teimosia, na criatividade, na persistência.

Quando queria uma coisa chateava muitos os meus pais. Mas acho que sempre tive um jeito especial para convencer o meu pai e, por isso, sabia que quando a minha mãe não ia na minha cantiga, ainda tinha mais uma hipótese. E agora até reconheço que isso nem sempre jogou a meu favor! Uma vez pedi-lhe uns sapatos, horríveis, com um mini salto, em bico, uma mistura de ganga e camurça. E ainda que a minha irmã (com mais juízo que eu e ele juntos!) tivesse avisado que “a mãe não ia achar piada”, eu fui mais convincente e, portanto, andei a passear-me com eles, crente de que o estilo era maior que a vergonha. Também cheguei a ir para a escola vestida com uma mini saia de ganga, meia-calça grossa, de inverno, e umas sandálias por cima. Como era ele quem me preparava para a escola quis acreditar, e confirmei, que ele não ia notar que tinha trocado a roupa deixada pela minha mãe. E ao fim do dia, quando ele estava deitado no sofá, ia buscar o pijama e fazia todo um malabarismo para o vestir em cima dele. Ele não se queixava.

Quando eu e a minha irmã não queríamos comer pescada e legumes cozidos ele desfazia tudo e construía o “castelo de outeiro” com uma bandeira na ponta. Quando não nos apetecia muito comer fruta, fazia formas geométricas para nos convencer. Ao fim de semana levava-nos a passear de mota, a mim, à minha irmã e aos sobrinhos e deixava-nos correr na relva enquanto os chuveiros regavam. Alguns dias antes do Natal, depois de eu e a minha irmã deixarmos a bota debaixo da árvore, acordávamos ansiosas para ver o que tinha sido deixado naquela noite. E ficávamos sempre felizes, mesmo quando o que tinha sido deixado era um iogurte ou uma peça de fruta. Acreditava que era o Pai Natal, mas não sabia que aquilo seria para sempre, na minha memória, o meu pai e o Natal.

Sempre achei que encaixava bem na expressão “menina do papá”. Encaixávamos, eu e a minha irmã. E isso vai muito para lá de ser mimada, no bom sentido da palavra. Vai tão para lá disso que, até hoje, mesmo já não podendo receber esses mimos, continuamos a ser meninas do papá. E nos últimos anos em que lhe pude dar um beijo de parabéns neste dia e dizer que era o melhor pai do mundo, mesmo já não vivendo a mesma infância feliz, a vida ainda nos sorriu de alguma maneira. Aprendi o que é a incerteza, a tristeza e o medo. Mas aprendi ainda mais sobre solidariedade, resiliência e amor. Aprendi o que é ser família. E garanto que nós fomos uma daquelas a sério. Aprendi que há gestos que não se pagam e que não se apagam.

O meu pai acordava-me todas as manhãs para me preparar para a escola. E fazia-o sempre da mesma maneira. Entrava no meu quarto com um brinquedo que tocava uma música, uma flor que dançava e cantava de forma muito estridente, e punha-a junto a mim. Essa música continua a ser o meu despertador todas as manhãs. E esta manhã, quando a ouvi, sabia que hoje é dia de o celebrar, mas ainda mais de o agradecer.

Ainda que agora a música venha do meu telemóvel e não daquela flor, ainda que o meu pai já não me entre pelo quarto com ela, todas as manhãs continuo a ser aquela criança que aprendeu, com ele, a sorrir para a vida. A contar que ela, generosa, sorria de volta.

Marta Pires 

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1 comentário em “Ao meu pai, por me ensinar a sorrir para a vida

  1. Sem palavras minha querida Martinha.
    Continuas a surpreender-me com as tuas belas mensagens. Desejo-te as maiores felicidades. Mereces ser muito 👏👏

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