Voar

Cheguei cedo demais. Ou… Talvez tenha vindo, apenas, com a antecedência que o meu coração exigiu. Vim com o tempo suficiente para me conseguir sentar por instantes a saborear um sacana de um café. Bebo um gole. E bebo outro. Desvio o olhar da minha chávena e olho em volta, desmistificando os vultos que a minha visão periférica me proporciona. Bebo o meu último gole de café… E volto a olhar.

Chegámos quase ao mesmo tempo, eu e a senhora de casaco vermelho. A sua inquietude revelou-lhe a saudade aguçada pela distância aos céus – acreditei. Esteve ali, perto de mim, a consultar horários de voos e… Petrificou de olho arregalado na porta das “Chegadas”. Olhos brilhantes e contentores de emoções quase palpáveis. Os minutos do meu café ter-se-ão traduzido numa eternidade aos seus olhos – creio. Baixou a cabeça por instantes e… Quando voltou a levantá-la caíam-lhe lágrimas indolores, contidas num sorriso de esperança com a pitada de loucura de um braço no ar que rapidamente se aninhou ao redor de um pescoço. Ele chegou. Abraçou-a com a força suficiente para lhe fazer sentir a frequência cardíaca esvoaçante, beijou-a com a mão na nuca, olhou-a nos olhos e… Ter-lhe-á sussurrado um segredo só deles.

Eu, claro, fiquei de lágrima no olho e consciente de que parar na zona das “Chegadas”  de um aeroporto é uma oportunidade única para que consigamos saborear amor alheio. O sacana do amor… O amor que nos faz voar de forma ímpar. Que desperta o melhor de nós, que nos alavanca sorrisos, que nos aquece a alma, que cultiva em nós a certeza de que esta coisa a que chamam “vida” não pode ser em vão.

Creio que é no “When Harry met Sally” que o Billy Crystal diz a Meg Ryan que quando alguém nos espera no aeroporto, estamos perante uma relação de vida. E eu… Saí dali de coração cheio e dirigi-me às “Partidas”. É a minha vez de voar. Nos céus e na vida.

Nota sobre a autora:

Corria a década de 80 quando Évora viu nascer a Tânia Caiado Amaral. Rebelde e franzina, de olhos azuis e caracóis loiros, a sua infância decorreu na aldeia de Brejoeira (Coruche). Cresceu rodeada pela natureza, fez viagens de bicicleta ao por do sol, saltou nas poças de água e guarda até hoje o cheiro a terra molhada da sua infância. Rumou a Lisboa com 18 anos para dar continuidade ao seu sonho de estudar. Hoje é enfermeira, especialista em pediatria, e é nas crianças que continua a depositar a esperança de um mundo onde a reine a alegria de ser livre. Apaixonada pela escrita e pela natureza. Autora de livros infantis. Apaixonada por pessoas: é nos seus filhos e no seu marido que encontra a sua maior fonte de amor e inspiração. Apaixonada pela vida.

Facebook

Partilhe nas Redes Sociais
FacebookTwitterPinterest

Deixe uma resposta

* Campos obrigatórios