Vida de estudante: condicionantes inexplicáveis

São 6:40h da manhã e o primeiro despertador toca. Primeiro? Sim, porque são necessários pelo menos quatro para que me possa levantar da cama. Porquê? Falta de vontade? Má disposição matinal? Não. Trata-se de sono e um método agonizante para sair da cama com tempo de sobra.

Desde logo, temos duas condicionantes frente a frente – sono e tempo. O cansaço deve-se às imensas horas preenchidas com: caminhadas até a universidade, duas aulas de quatro horas, mais três horas direcionadas para a realização de trabalhos ou estudo, uma ou duas horas para uma ou outra atividade extra curricular e o resto despendido para executar com excelência todas as necessidades básicas: dormir, comer, ir à casa de banho, tomar banho, lavar os dentes, passar tempo com a família, etc. Tudo componentes diárias dos nossos dias. No entanto, apesar do cansaço ser referido ao longo dos intermináveis dias, este não é o grande problema – somos jovens, assumimos um compromisso connosco, com os nossos pais e com a instituição que frequentamos, e, por isso, temos de levá-lo até ao fim. Sendo assim, o sono e o tempo são dois fatores que estão excluídos.

O respeito pela concretização do compromisso depende muito de estudante para estudante, mas sejamos sinceros: estudante é aquele que leva o ensino a sério, o que se empenha, não falta às aulas e estuda para qualquer tipo de avaliação. Aquele que anda a passear com os livros na mão, conhece a universidade por fora e passa horas infindáveis no café, não passa de um mero turista. Não aquele turista que faz o esforço para conhecer ao máximo o local que visitou, aquele que passa apenas a conseguir avaliar a qualidade das cadeiras por tantas horas nelas se sentar.

Mas já me estou a desviar do pretendido…Um dos aspetos que importa avaliar é a consideração que os professores têm para com os esforços anteriormente referidos. Mais uma vez digo que são esforços a próprio risco. Claro que os docentes deveriam ter algum bom senso. À semelhança dos estudantes, existem diferentes tipos de professores: o Fixólas, o Esquecido, o Memofante, o sargento e o estou nem aí.

Comecemos por aquele que geralmente os estudantes adoram. Professor Fixólas, nome no masculino, no entanto, com utilização adequada a ambos os sexos; aquele que não passa folhas de presença; fornece os diapositivos das aulas, mais material extra de estudo; deixa utilizar aparelhos eletrónicos e não é assim tão exigente com a forma de escrever. Aquele professor cujos cabulas gostavam de ser e do qual usam e abusam (“a gente dá-lhes uma mão, eles querem logo o braço”), aquele que está sentenciado a que não o ouçam verdadeiramente – uns porque não querem, outros porque não o conseguem ouvir, tal é o barulho que se instala. Falta de consideração um – não expulsar os alunos perturbadores das aulas.

O professor Esquecido está muitas vezes associado ao professor Fixólas. O porquê de ele ser tão benevolente é porque se esquece das regras que impôs no dia anterior. Esquece-se das regras como se esquece do quão importante é decorar minimamente o que vai dizer na aula seguinte. Componentes de avaliação de uma apresentação oral: manter contato visual com o público, estar dentro do assunto que se vai apresentar, estar capacitado para responder a qualquer questão por parte dos observadores, etc. Mas esta avaliação não se aplica aos professores, “faz o que eu digo, não faças o que eu faço”. Para além disso, este tipo de docente tem uma capacidade extraordinária para avisar em cima do joelho que está com qualquer tipo de problema (muscular, renal, familiar, etc.) e, por isso, não poderá comparecer às aulas. Falta de consideração dois, três e quatro – virar as costas aos alunos, hipocrisia, perda de tempo.

Do outro lado, temos o professor Memofante – nome no masculino. Mais uma vez, aplicável a ambos os sexos; completamente o contrário do esquecido, apesar de puder ser Fixólas. Assim passamos a ter de considerar duas categorias: Memofante₁ e Memofante₂. Ambos correspondem a docentes que não se esquecem de nada – “tenho aula amanhã às 9h”, “os alunos só costumam chegar às 9:15h”, “aquele aluno faltou na última aula”, “o José come sempre uma maçã no intervalo, a Maria não come nada, devia seguir o exemplo” (coscuvilhice a mais, diria eu)-, no entanto, adotam posições completamente diferentes. O primeiro penaliza qualquer estudante que por motivos diversos (talvez por comer queijo a mais) se esqueceu ou se atrasou em algo. O segundo está-se a marimbar e, apesar de se lembrar das coisas, perdoou os pobres coitados. Contudo, estes dois tipos de professores aparentam andar numa corda bamba, tanto tombam para um lado como para o outro. Conclusão, nunca se sabe com o que se contar. Falta de consideração cinco e seis – incompreensão, confusão (“ó professor, mas disse no outro dia que o exercício não contava para avaliação”, “sim, eu sei que disse, mas passou a ser”).

O professor Sargento, mais do que utilizador frequente de Memofante, aplica regras que não são tidas como normais para pessoas adultas. Qualquer barulho que se faça, nem que seja assoar o nariz, aparenta ser uma tempestade num copo de água. Toca a tomar o antialérgico ou a limpar o nariz com uma delicadeza nunca tal vista. Qualquer movimento que se faça, nem que seja ir ver as horas ao telemóvel, conta com um raspanete de meia hora. Toca a desligar qualquer aparelho eletrónico, guardar na mochila os relógios e qualquer material que tenha a mínima probabilidade de cair. Qualquer vontade urgente de ir a casa de banho, leva-se com um não em letras maiúsculas. Toca a ir à casa de banho antes da aula mesmo sem vontade, não vá o diabo tecê-las. Qualquer atraso em trabalhos, nada mais do que 23:59h para o enviar, nem que o problema seja da plataforma eletrónica ou da internet, “desenrasque-se”. Falta de consideração sete – remoção de qualquer direito básico.

Por fim, o Estou nem aí. Até parece ser piada, mas não é. Além de ser Sargento Memofante, não quer saber se prejudica ou não o aluno, chegando ao cúmulo de: estabelecer uma nota máxima porque “não dá acima de 15”; não deixar um aluno repetente faltar às suas aulas, visto que a essa hora tem outra aula, porque a sua cadeira é o mais importante e não permitir acesso a testes porque a sua correção está sempre certa e, por isso, nem vale a pena. Falta de consideração oito – privar o aluno de realizar com excelência uma cadeira que, por sua vez, influencia a sua média inteira.

Como se as diversas personalidades dos docentes não fossem condicionantes suficientes, acrescenta-se o acesso a materiais e a lugares de estudo. Este tópico talvez seja aquele que mais diverge de universidade para universidade. Dependendo do curso frequentando, podem ou não existir objetos essenciais para a concretização de tarefas ou desenvolvimento de capacidades, uns têm de ser adquiridos, outros podem ser requisitados. Os adquiridos são um investimento, na grande maioria das vezes, perdido. Os requisitados dão mais trabalho do que outra coisa – mobilização ao local de aluguer (que aparenta estar sempre no local mais recôndito), esperar que haja recursos suficientes, discurso desmotivador de quem aluga (porque não chega a falta de confiança própria), preenchimento de uma folha com dados necessários (apesar de termos um cartão com os mesmos), possibilidade de aluguer apenas por três dias (toca a apressar o trabalho) e a obrigatoriedade de pagar qualquer eventualidade de estrago (não tenho dinheiro para adquiri-lo, mas tenho dinheiro para pagá-lo na totalidade ou o seu arranjo, assumem eles).  Condicionante nove e dez – investimentos fracassados, stress acrescido.

Os locais livres para estudo são, geralmente, as bibliotecas ou salas comuns. Digo geralmente porque a grande maioria das vezes esses espaços estão ocupados até ao último centímetro. Quando se arranja um lugar para caber duas pessoas e meia é uma sorte. Contudo, mesmo com essa possibilidade quase nula, trabalhar num ambiente repleto de barulho não é propriamente o mais adequado, até um café aparenta ser mais apropriado. Claro que qualquer estudante que more próximo da universidade poderá optar por convidar os seus colegas de grupo para ir para sua casa, mas o que fará um grupo de estudantes vindos de diferentes partes do país? Condicionante onze – falta de espaço.

Com tantas condicionantes inexplicáveis (por vezes) a vontade de continuar é escassa.

Nota sobre a autora

Estudante universitária na área de jornalismo que, após completar duas décadas, decide meter mãos às obras. De nome Bruna Sousa procuro angariar experiência no mundo da escrita e tentar contribuir para a exploração de alguns pontos de vista fora da caixa.

Email: brunita.sousa1999@gmail

Protejo digital universitário (secção de crítica de cinema, música e literatura)

Facebook

Instagram

Partilhe nas Redes Sociais
FacebookTwitterPinterest

Deixe uma resposta

* Campos obrigatórios