VIAGENS DO ELEFANTE: TAILÂNDIA, DIA 5

As ilhas: Um dia inteiro de boca aberta.
 
Ao 5° dia na Tailândia – 2° dia passado em Krabi – a natureza entrou-me pelos olhos dentro, num festival de exibicionismo de tal forma despudorado que passei o dia de boca aberta, a tentar processar na memória o que os olhos captavam, em êxtase absoluto.
 
A manhã começa com uma directa da noite – não preguei olho nem por um minuto. Tenho tido muita dificuldade em adaptar-me as estas 7 horas de diferença do fuso horário de Lisboa. Se numa noite durmo 11 horas seguidas como se me tivessem dado com uma moca na cabeça, na outra fico acordada e totalmente desperta, sem conseguir adormecer. Fartinha de andar às voltas na cama, levantei-me. Às 6 da manhã já estava a fotografar o nascer do Sol, na praia de Krabi, frente ao quarto. Já vos disse que da almofada ao mar são 50 metros?
 
Fui a primeira a chegar ao pequeno-almoço: e que boa surpresa!, ovos a gosto (os meus são estrelados em cima de pão), fruta fresca, iogurtes, cereais de fabrico caseiro, tomate. Só os sumos deixam a desejar – não se entende que num país com fruta deliciosa e sumos naturais ao virar de cada esquina, o do hotel seja artificial e carregado de açúcar. Uma caneca de café para terminar o repasto e, revigorada e desperta, seguimos para agarrar o dia, a viagem às ilhas mais próximas, num barco exclusivo para duas pessoas, conduzido por um pescador local. Duas palavras fundamentais a reter deste parágrafo: exclusivo e ilhas locais. Passo a explicar.
 
Krabi é rodeada de ilhas soberbas, entre elas as famosas Phi Phi Islands. A viagem até às Phi Phi foi-nos fortemente desaconselhada por vários viajantes amigos. A ilha foi tomada pelo turismo, está pejada de gente e perdeu parte do seu encanto natural. As viagens são muito caras, é longe (mesmo num barco potente) e em vez de nadarmos no mar, há fortes possibilidades de nadarmos entre bikinis, cremes bronzeadores e selfie sticks.
 
As chamadas “Islands Tours” (independentemente da decisão de conhecer as ilhas locais ou as mais afastadas de Krabi) são por norma feitas em barcos a motor modernos com capacidade para 20, 30, 40 pessoas, com música muito alto para abanar o capacete e divertir o pagode. Isso para mim é o Inferno na terra. Na verdade preferia cortar um dedo mindinho do pé, a pagar para ter essa experiência.
 
Assim sendo, seguimos a recomendação do amigo que fizemos na noite anterior e acertámos o preço para uma viagem de 5 horas com um dos muitos pescadores que atracam os seus barcos na praia de Krabi. Os barcos de madeira simples, típicos da região, a exclusividade de apenas dois passageiros (eu e Joana), a ausência de ruído que não o do motor artesanal e teimoso do barco – que alívio – e um pescador que não sendo guia turístico, não percebendo uma palavra de inglês, nos mostrou as riquezas das suas ilhas com os olhos a brilhar de orgulho e até para o mar se atirou todo vestido, na urgência de nos mostrar um peixe palhaço escondido num coral, e que ele, através da limpidez das águas e perícia de olhos experientes, conseguiu detectar. Levou ananás fresco (que cortou dentro do barco primorosamente, fazendo um arranjo artístico) e que nos serviu durante a viagem, juntando à iguaria águas e refrescos, sempre sem dizer uma palavra mas fazendo-nos sentir em casa. No regresso, quando caímos que nem tordas (sim, adormecemos sentadas no barco a babar uma para cima da outra) ofereceu-nos as suas redes suspensas (que engenharia e inteligência) para dormirmos a sesta, embaladas pelo ronronar dos motores. 30 euros por pessoa foi o que pagámos – muito menos do que o potente e moderno barco – e, garanto-vos, foi pouco para o serviço que recebemos e deslumbre que sentimos, nas quase 5 horas de viagem.
 
A nossa escolha de percurso recaiu sobre as Hong Islands, pequeno “arquipélago” de ilhéus e línguas de areia, um tesouro de diversidade ambiental e paisagística. Como a maralha vai toda para as Phi Phi, esta delícia fica muito menos povoada e, nas praias e lagoas paradisíacas, é possível tomar banho e caminhar pela areia branca, sem tropeçar numa excursão em cada esquina. Só na ilha principal estava mais gente – dá o nome ao “arquipélago” chama-se “Hong Beach” e tem como principais atrações a praia (óbvio) lindíssima e escondida entre dois rochedos gigantes, água verde esmeralda, rodeada de floresta, repleta de peixes coloridos e atrevidos (chegam-se perto de nós para nos observar) perfeita para fazer snorkeling. É também a primeira e única paragem onde temos de pagar para entrar – 9 euros por pessoa- bastante caro para os preços habituais, dinheiro esse usado na conservação da natureza do território que vamos pisar, assim nos informam. Acreditemos que sim.
 
Foi nesta praia que eu e a Joana tivemos um ataque de riso daqueles infantis e parvos, com uma senhora que estava há tanto tempo a boiar fazendo snorkeling, totalmente quieta e concentrada que achámos por momentos, que estaria morta. Mas não estava! Imaginámos então a maldade que seria uma de nós ir a nadar, aparecer debaixo dela e gritar “cucu” qual peixona louca, mesmo debaixo da máscara da mergulhadora. Começamos a rir até às lágrimas – isto só pode ser o Jet Lag a fazer das suas – de tal forma que as poucas pessoas que ali estavam, ficaram todas a olhar para nós entre o divertido e o desconfiado. 
 
 
Depois de uma hora bem passada no mar, decidimos embrenhar-nos pela floresta da ilha, com esperança de vermos os famosos lagartos gigantes que a habitam. No caminho que fizemos não descobrimos nenhum, só mais tarde o veríamos, a movimentar-se nas margens, e nós já dentro do barco. Durante essa caminhada a pé pela floresta (sempre sozinhas) foi curioso observar a forma como a ilha (esta e todas na região onde a presença do homem é possível) está sinalizada com os pontos de fuga e de salvamento em caso de alerta de Tsunami. Em 2004 no grande Tsunami que atingiu a região, nesta mesma ilha onde nos encontrávamos, 50 pessoas foram salvas por terem encontrado o abrigo certo para se refugiarem da força das águas.
 
 
Da selva para uma lagoa de água doce, uma paisagem de fazer acelerar o ritmo cardíaco, localizada num caldeirão de rochas e selvas tropicais e suspensas, onde, já dentro do barco – a lagoa só tem acesso pelo mar – nos deliciámos a comer o ananás fresquinho (já que a boca estava aberta de espanto pelo deslumbre da paisagem, ao menos que lá entrasse qualquer coisinha).
 
Seguiu-se Long Beach, Daeng Island, Lading Islands, Pakbia Islands… quase desertas, águas quentes, límpidas e tomadas por peixes de todas as cores e feitios que se observam a olho nu, aparecem como mantos coloridos ao pé de nós, numa sensação única de comunhão com a natureza. O barquinho de madeira vai serpenteando entre as ilhas, o nosso pescador silencioso vai sorrindo e pergunta se queremos parar, sair e mergulhar, ou se preferimos ficar apenas desfrutar da paisagem idílica dentro da embarcação. O mar vai agarrando diferentes tonalidades de cores, uma paleta muito forte de azuis e verdes que abrem ou fecham mais a sua tonalidade consoante o reflexo do Sol. Não se iludam, mesmo quando o céu está chumbado, a temperatura ronda os 30°. Estamos na melhor época para visitar a Tailândia, entre Novembro e Abril, o chamado Inverno seco, com temperaturas sempre amenas e suportáveis.
 
 
Neste percurso das ilhas habitáveis por humanos, cruzámo-nos com outros barcos, as pessoas lá dentro acenam, cumprimentam-se felizes. No périplo que o nosso pescador nos ofereceu depois, só nos cruzámos com barcos de outros pescadores como ele, os barcos turísticos tinham desaparecido do horizonte e foi aqui que o meu coração expandiu arranjando espaço para receber a tanta e tão inesperada beleza que me mostravam.
 
Os ilhéus mais pequenos, não são habitados por pessoas. São autênticas jóias incrustadas no oceano e todas diferentes. Cada rochedo alberga uma paisagem única, um habitat distinto que só um olhar atento, conhecedor e experiente pode detectar. O nosso pescador, não sabendo falar uma palavra de inglês, levou-nos para esse lado mais selvagem e pouco explorado pelos guias bem falantes e jamais – jamais – esquecerei a expressão facial dele de profundo orgulho quando, de ilhota em ilhota, descobria uma das suas riquezas características e apontava efusivo, fazendo manobras de aproximação do barco às escarpas para que nós víssemos também. E assim mudas e estupefactas, sem saber para onde apontar as lentes tal era o esplendor natural que desfilava, passámos por ilhéus repletos de macacos, outros envolvidos em tapetes de corais luminescentes a formar mosaicos no fundo do mar e de um ápice, a barcaça muda o rumo e estamos debaixo de estalactites – que espectáculo portentoso, milenar e lindo, gigantes, ali mesmo em cima das nossas cabeças, a pingar água doce no mar salgado. Mais uma volta no leme e aí está a ilha dos lagartos, tímidos, nadadores gigantes, de cabeça de fora, a fugir para as margens. Cada escarpa uma cor, ou muitas misturadas, são rochas pequenas, outras descomunais, riscadas ou em color block, um regalo para os olhos.
 
Entre mergulhos e caminhadas pela selva, emoções intensas e muito exercício físico, chegámos ao barco no caminho de regresso a casa, derreadas. O pescador – agora aos nossos olhos com aura de super herói, aquele que partilhou connosco os seus mais belos e escondidos tesouros – ria-se da exaustão indisfarçável.
 
E assim, como um mágico em palco de espectáculo, num último trunfo de encantamento, fez surgir duas camas de rede suspensas na embarcação, onde nos convidou a descansar. Ao pôr-do-sol, teve o cuidado de deixar o barco a ronronar muito baixinho seguindo a ritmo lento o caminho para o hotel. Adormeci imediatamente mas lembro -me de ter pensado segundo antes de cair em sono profundo, quão comovente era aquele gesto de providenciar o silêncio e atrasar o tempo da viagem (e dos seus próprios afazeres) para que pudéssemos desfrutar da sesta. E embaladas nas redes por todas as coisas bonitas que tínhamos vivido e sentido, dormimos até chegarmos à costa, onde acordámos para o desembarque, felizes e estremunhadas da soneca, gratas e comovidas por aquele que foi, seguramente, um dos melhores dias das nossas vidas.
 
Amanhã, o encontro com os Elefantes. Espero conseguir dormir e não ter uma insónia, tal o tamanho da expectativa.
 
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Texto Rita Ferro Rodrigues
Fotografias Joana Meneses
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2 comentários em “VIAGENS DO ELEFANTE: TAILÂNDIA, DIA 5

  1. Olá Rita 🙂 estou a adorar ler a sua experiência ? dá mesmo vontade de entrar já já nessa aventura!
    Só tenho uma pequena curiosidade, nesses barcos em que as horas de viagens são longas , tem casas de banho? ?
    Continue a partilhar essas maravilhosas experiências, nós adoramos ?

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