Uma voz na noite

Desde muito cedo que tenho vivido com uma voz. Dantes, quando surgia, fingia ser como uma porta que bate com o vento. Ignorava. O pior eram as noites. Atualmente, tem sido mais assídua, o vento é constante.

À noite chama por mim. Sabe o meu nome. Mas como? Se nunca lho disse. Intriga-me. Certa vez, questionei sobre a sua identidade, mas não obtive resposta. Seja como for, já não me assusta. Houve noites em que estranhei a sua ausência. Normalmente é pontual, espera que eu me deite e só depois vem. É muito cordial, seja quem for, vem de boas famílias certamente. Gostava de lhe poder contar como foi o meu dia, afinal sinto que aquela voz me pertence. Somos próximos. Já liguei a luz em jeito de resposta veloz. Mal o som do meu nome surgia, lá estava eu a pressionar o interruptor. Sem efeito.

– Olha-me! – soou a voz.

– És tu de novo. Se me pudesses ao menos dizer o teu nome. Sempre arriscaria imaginar como serias. Sei que não me vais responder, mas sinto que está na altura de nos conhecermos melhor, não achas?

Senti frio como nunca tinha sentido, as mãos gelaram, coloquei-as debaixo do cobertor. Continuaram gélidas. Deixei a porta aberta, pensei.

– Ah, não sinto as pernas!

– Ouve-me bem. Ainda não está na altura de nós nos conhecermos. Quando esse momento chegar, quando estivermos frente-a-frente, deixarás de me ouvir. Por agora trata de aproveitar a vida e não penses mais em mim. – disse a morte, afastando-se.

Nota sobre o autor

O meu nome é Daniel, sou licenciado em Humanidades e Estudos Portugueses, tenho 30 anos e resido em Albufeira.

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2 comentários em “Uma voz na noite

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