Uma Menina

Hoje, enquanto deito a cabeça na almofada e fecho os olhos, sou espectadora das cenas que protagonizei. Destaca-se cada abraço que lhe dei e, ao deixar-me ir com a corrente, sinto a sua intensidade, os dois corações a tocar um no outro. Continuo neste caminho e, agora, para além da intensidade, o cheiro doce dos seus cabelos castanhos entra pelo meu nariz, e permanece. Como quem escuta, atentamente, um rouxinol a cantar, eu escuto a sua respiração calma. A melodia é semelhante. 

Num instante, tudo se desvanece. O abraço já não tem intensidade, o cheiro não o sinto mais, a respiração torna-se muda. O que se segue é um momento súbito de silêncio, vazio em gestos. É apenas a mente a pregar-me uma partida. A lágrima, que chega ao canto olho, é saudade. Quero voltar. Pudesse eu ter uma máquina do tempo e viajaria de volta ao nosso abraço. 

Ainda estremecida, pouco recuperada, desvio o olhar para o meu lado esquerdo. A guerra na Síria sobressai nas notícias. Ouço os gritos, de seres humanos que, com os mesmos direitos que eu, não lhes é permitido usufruir de nenhum. Correm, mas não o fazem de livre vontade. São obrigados a fugir e, alguns, a deixar para trás os seus. Mas, no meio de todos, existe esta menina, criança na flor da idade, que nunca conheceu outra realidade senão a guerra. Tem 7 anos, e apenas há cinco meses, vive num campo de refugiados cujas condições são mínimas. De inocência perdida, traz nos olhos a esperança vincada de que um dia o seu país irá baixar as armas, de que um dia o sangue deixará de ser o símbolo de uma nação inteira (massacrada, cansada), de que um dia poderá exercer os seus direitos como criança e como Mulher, de que um dia voltará a abraçar alguém importante e sentir o conforto, calma e paz de um abraço, em vez do medo terrível de poder morrer a qualquer instante. Esta é, para mim, a verdadeira importância do sonho. Da vida. E não é verdade “que o sonho comanda a vida, que sempre que um Homem sonha, o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”?

Fecho, novamente, os olhos. Sou uma privilegiada. 

 

 

Nota sobre a autora

Chamo-me Lara Pico, tenho 17 anos e estudo Gestão de Recursos Humanos. Sempre dei muito de mim à escrita não só devido ao ambiente cultural em que cresci, mas também porque, a certo ponto, senti uma tremenda necessidade de escrever a simplicidade, o amor, a saudade, a tristeza, a felicidade, a realidade. E demonstrar, a mim mesma, que até do pior que nos pode estar a acontecer, há sempre a possibilidade de retirarmos algo bonito. 

P.s.: no Instagram chamo-me @larampico

 

 

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