Tela a preto e branco

Quando nasceu, ainda frágil e ingénua, fruto da inocência de quem nunca viveu no mundo, não podia imaginar nada do que a esperava. Não sabia que cada um escolhia um de dois caminhos, uma de duas cores. Preto ou branco. Verdade ou mentira. Bem ou mal. Certo ou errado.

Disseram-lhe que o mundo era uma tela a preto e branco, mas ela não se conformou. Não se conformou porque, na vida, nem tudo é sempre preto no branco. Decidiu que, mesmo contra o mundo, havia de pintar a sua tela de outras cores. Pegou no pincel, convicta de que no fim obteria uma obra-prima, e deixou que a sua mão espalhasse a cor e, com ela, também a vida.

Pintou o céu de um azul apaziguador, o sol de um amarelo brilhante e pincelou as árvores em tons de verde e castanho. Para o quarto escolheu o laranja e o rosa deixou para as flores. Decidiu que o sangue e, por isso, a paixão, como motor da vida, seriam vermelhos. Escolheu deixar o cabelo da avó de branco, para representar toda a cor que já lá tinha passado.

Depois salpicou de verde o nosso mar, escolheu cores quentes para as lareiras e fez pintas em alguns cães. Fez nascer o arco-íris. Foi colorindo a tela que lhe disseram para manter intacta. Mas mantê-la intacta não significava mantê-la igual. Percebeu que cada coisa seria da cor que a pintasse, que o seu mundo seria tão colorido quanto quisesse e que, ainda que lhe vendessem uma tela a preto e branco, podia sempre usar o seu pincel.

Por fim, com todas as cores que sobraram, pintou-se a ela mesma. Ninguém lhe podia dizer que o mundo dela não seria o que quisesse. Afinal, tinha acabado de o pintar como queria. E a sua convicção estava certa. A obra-prima nasceu, para quem a quisesse ver. Não escolheu o preto, nem o branco. Porque na vida só temos duas escolhas. Ou nos atrevemos a vivê-la ou deixamo-nos morrer sem sequer ter nascido.

Marta Pires

Partilhe nas Redes Sociais
FacebookTwitterPinterest

Deixe uma resposta

* Campos obrigatórios