Tailândia: Uma viagem que nunca esquecerei

Hoje relembro a minha viagem à Tailândia, em Novembro de 2018. E nunca é demais recordar um dos momentos mais especiais que vivi e que vai ficar para sempre na minha memória, o meu encontro com Elefantes…

Para o avô Eduardo que me despertou o amor pelos Elefantes porque acreditava ter sido um, noutra encarnação e me dizia que, quando morresse, a elefante tornaria.

Neste dia estivemos juntos.

Depois das lágrimas, a conexão absoluta. Temos de estar na presença de um elefante livre no seu habitat natural para nos apercebermos de forma plena como são especiais, magníficos e nos colocam em perspectiva como seres vivos inseridos num planeta pleno de diversidade. Não sei se conseguirei traduzir por palavras o que vivi e senti naquele dia, mas prometo tentar.

O dia começou às 6 da manhã, com o despertador a tocar. Pela primeira vez, não consegui acabar o texto e a Joana também não conseguiu terminar a edição das fotografias porque nem com palitos nos olhos nos conseguíamos manter acordadas. Decidimos, por isso, dormir e acordar mais cedo para finalizar o trabalho. A exaustão salvou-me de uma insónia certa e não permitiu que a ansiedade do dia de encontro com os elefantes me roubasse o sono. Trabalhámos durante duas horas e, enviado o material para Lisboa, apanhámos a carrinha que nos levaria ao Santuário de Elefantes de Krabi. Do hotel ao santuário são cerca 40 minutos de viagem.

Na Tailândia, apesar dos esforços iniciados há uns anos pelas organizações ambientalistas e de defesa dos animais, ainda existem cerca de 3.000 elefantes explorados diariamente. As estatísticas oficiais indicam que outros 3.700 vivem em liberdade absoluta mas teme-se que esses números não sejam reais e alguns estudiosos acreditam que são menos de 1.000 os animais que se encontram de facto livres, nos seus habitats naturais.

Tem sido levado a cabo um trabalho extraordinário por parte de algumas ONGS e por parte das autoridades tailandesas para inverter uma cultura milenar de exploração de elefantes. Eles travaram guerras ao lado dos homens durante várias dinastias Thai, participaram na construção de cidades (ganharam por isso um estatuto de símbolo do país) e continuam a ser utilizados nos trabalhos agrícolas e, mais recentemente, na indústria do entretenimento e no turismo (actividades fundamentais para a economia do país). É importante que se explique que para se “domesticar” um elefante e torná-lo dócil e passivo – e isto que vou relatar é tremendamente perturbador – a cria é separada da mãe.

Depois, é aprisionada e sujeita a torturas inomináveis para que “a sua alma seja quebrada” e ceda à vida em cativeiro. Isto foi feito na Tailândia durante anos – isto ainda é feito diariamente.

Vai, por isso, levar algum tempo a alterar toda uma cultura de relação homem/elefante mas esse trabalho já está a ser feito com bastante sucesso e visibilidade para quem visita o país. Muitos antigos treinadores estão a juntar-se a santuários onde não é permitido montar elefantes (“no riding!”) para se tornarem tratadores e onde a sua experiência com os animais é aproveitada para os reabilitar – aos homens e aos bichos, a ambos ao mesmo tempo – para uma vida em comunhão de dignidade e respeito. Muitos destes homens que exploram os elefantes – são conhecidos por mahouts – fazem-no por necessidade básica, para conseguirem alimentar as suas famílias, fugir à miséria e à pobreza. A estratégia de lhes oferecer emprego num santuário onde são educados para os direitos dos animais e, pedagogicamente, transmitem essa mesma educação a quem visita o lugar, parece-me extremamente inteligente e o único caminho para uma mudança efectiva de mentalidades. Mas não é um caminho unânime. Entre defensores do Direitos dos Animais, há quem acredite que se está a substituir uma forma de exploração por outra e que a única hipótese ética, válida e justa é lutar para que os elefantes não sejam retirados dos seus habitats naturais e vivam em intocável liberdade. Estamos todos de acordo em teoria, mas… quais habitats naturais, se o homem já ocupou quase tudo? O que se faz a todos os Elefantes que já foram explorados? E o que se faz aos elefantes doentes e que sofrem acidentes porque os seus territórios originais foram ocupados por humanos e a natureza está irremediavelmente desequilibrada? Ignoram-se? Deixam-se ao abandono? Não me parece – de tudo o que li e investiguei na preparação desta viagem – que faça sentido combater a lógica dos santuários. Fará sentindo (e muito) apertar o cerco aos mesmos e garantir que fazem um bom trabalho.

O objetivo dos santuários credíveis é mostrar que os elefantes podem ser uma fonte de renda sem serem explorados, uma força económica transformadora e poderosa, incentivando, ao mesmo tempo, decisões humanas mais correctas no que ao animais diz respeito e transformando de forma progressiva um meio cultural e historicamente muito sensível.

Existem alguns santuários na Tailândia mas convém verificar antes se são de facto santuários ou um embuste, porque também os há. Qualquer que ofereça “riding” é para excluir imediatamente.

O Elephant Nature Park em Chiang Mai, norte da Tailândia, é uma referência absoluta e este que visitei em Krabi, muito mais pequeno, segue a mesma escola. Escolhi Krabi porque está focado na recuperação de animais idosos. Sabia disto e queria estar com elefantes velhinhos, cá por coisas minhas, do coração. Sabia também que todos os animais com que ia estar já tinham a alma quebrada e, por isso, foram resgatados de um passado de horrores.

Regressemos então à carrinha e ao momento em que chegamos ao santuário. Durante a viagem – que fiz toda em silêncio – tentei preparar-me para o impacto de um encontro há muito desejado mas a introspecção não surtiu efeito. O meu coração estava acelerado, uma inquietação incontrolável apesar dos meus esforços árduos para estar à altura do momento. No meu cérebro, para além de uma emoção pessoal, da minha história como ser humano e parte integrante da minha própria “manada”, estava também todo o contexto histórico que acabei de partilhar convosco e a consciência absoluta do sofrimento atroz pelo qual estes animais com que iria estar, tinham passado.

Quando chegamos ao terreno do Santuário, vestimos uma espécie de farda de tratador, apropriada para as várias funções de voluntariado que vamos cumprir. Ainda me consegui rir – de nervos e excitação – com o tamanho das calças que me couberam em sorte, mas confesso que, depois de fardada, no trilho para os encontrar, deixei de ouvir tudo à minha volta.

Segui hipnotizada atrás do tratador quando, de repente, me vejo rodeada de elefantes. O primeiro ponto onde os vemos é um ponto de apresentação e de reflexão, onde os responsáveis pelo santuário explicam de forma breve a lógica que preside ao mesmo e nos apresentam os elefantes que ali estão. Quem são, que idade têm, que passado de violência os levou até ali.

Passa-se que ao primeiro vislumbre dos bichos, as lágrimas começaram a correr-me cara abaixo. Eu queria controlar a catárse emocional, não conseguia e, por isso, estive seguramente meia hora a ouvir a explicação dos responsáveis com as lágrimas a pingar pelo queixo e muito ranho no nariz. E foi neste estado de total fragilidade que me apresentei aos elefantes.

Sente-se o coração a bater por baixo da pele morna e, ainda assim, tão sofridos e tão ternos. Esta elefanta que toquei pela primeira vez, como todas as outras em Krabi (só fêmeas) está ali para esquecer as maldades que os humanos lhe fizeram e registar novas memórias da nossa espécie, agora só com ternura, afecto, mimo e muito carinho. Por tudo isto, encontramos bichos que confiam em nós e que se deixam mimar. Andam livres e não são obrigados a fazer nada, nós visitantes é que andamos ao ritmo deles. Se não lhes apetece estar na nossa companhia desaparecem pelo mato e regressam quando querem.

Nas actividades de formação de visitantes, aprendemos sobre o que necessitam para se sentirem felizes num ambiente que, não sendo absolutamente livre, é pensado ao pormenor para que estejam felizes e saudáveis. Alimentam-se do pasto circundante e aprendemos a fazer uma mistura medicinal de ervas, tamarindo, açúcar de côco e sal que os ajuda no trânsito intestinal e que substitui alguns nutrientes que já não conseguem encontrar na natureza adulterada pelo homem.

Também os banhos de lama (fundamentais para que a pele se mantenha fresca e protegida dos raios de sol e dos mosquitos) são feitos com a participação dos visitantes e, momento mágico, entrar com os elefantes para o rio de água fresca onde mal sentem a água se deitam como crianças e mergulham brincando com a água – e que momento de humildade para um ser humano, partilhar o rio com o elefante e sentir-lhe uma leveza inesperada, uma felicidade genuína e sensação de conexão total com a terra mãe, planeta que habitamos e que como escrevia meu avô, “onde não passamos de deslumbrada poeira”.

Mais tarde percebi que no Elephant Park em Chiang Mai – o tal santuário que serve de referência para todos os outros – há um ano que aboliram os banhos no rio com os voluntários. Reflectiram e consideraram que os Elefantes têm o direito a tomar banho sem serem incomodados, para nadarem e brincarem sem constrangimentos e preocupações com os humanos minúsculos ali ao lado. O banho é um momento de intimidade e a intimidade dos animais deve ser respeitada. Apesar de ter sido um dos melhores momentos da minha vida, fiquei a pensar seriamente nisto. Esta experiência não é sobre mim, é sobre eles, os elefantes. O objectivo não é, nem pode ser, que EU tenha uma experiência inesquecível mas sim que ELES recuperem de memórias traumáticas que a minha espécie lhes provocou e consigam criar novos registos sobre nós humanos, registos pautados pelo respeito pela sua individualidade e dignidade. Como só li esta actualização pedagógica já depois da experiência, no momento da banhoca – que, atenção, é muito agradável para eles mas por causa da nossa presença não é plena – não tive consciência de que o que estava a fazer era, na verdade, errado. Do ponto de vista do meu crescimento como pessoa e adorando elefantes, esta percepção tardia e reflexão que a acompanha, foi muito importante: estamos sempre a aprender, sempre a evoluir. Desejo agora que no santuário de Krabi tal como em Chiang Mai, deixem de praticar os banhos com os voluntários.

A visita ao santuário de Krabi termina com uma passagem pelo Southern Elephants Hospital, um hospital que cuida dos elefantes doentes de toda a região sul da Tailândia e que este santuário financia. Esta visita é extremamente violenta e não aconselhável a

pessoas mais sensíveis. Aqui não é possível filmar ou tirar fotografias. No grupo onde estava integrada, houve quem regressasse à carrinha sem conseguir cumprir a visita até ao fim.

O primeiro doente que visitámos tem 3 anos, está deitado numa cama gigante, usa fralda e , por razões que se prendem com a sua própria segurança, está imobilizado para que não faça movimentos bruscos. Esta cria caiu de uma ravina de 4 metros e fez uma lesão medular muito grave. Os veterinários estão a tentar recuperá-la com acupuntura e estimulação eléctrica. Não sabem se voltará a andar mas ainda não desistiram dela. Se não conseguir recuperar da lesão, será eutanasiada. Foi das imagens mais devastadoras que vi na vida.

Mais à frente, outra cria imobilizada numa cama. Esta com uma lesão muito menos grave: partiu uma perna. Não nos sabem explicar como aconteceu. Foram buscá-la a um terreno depois de uma denúncia anónima pedindo ajuda para a tratar.

No fundo do pátio do hospital, uma visão que para sempre me perseguirá: um elefante adulto, de pé, anda de um lado para o outro sem sossego em movimentos automáticos e repetidos. Enlouqueceu, na sequência de maus tratos prolongados.

Se preferia ter ficado com a memória cheia de sentimentos belos (e verdadeiros) que a experiência no santuário de Krabi me proporcionou? Preferia sim. Mas não seria um retrato da realidade. A realidade é que apesar do caminho do bem já ter sido iniciado, existem ainda muitos elefantes na Tailândia a viver num sofrimento atroz. E para mim – apesar de muito chocante – foi determinante ver com os meus próprios olhos e sentir que estamos num momento de mudança em que todas as testemunhas, conscientes e informadas da realidade da vida dos elefantes , serão mais uma força cúmplice para que estes seres magníficos não desapareçam do planeta.

Os elefantes não esquecem e eu jamais esquecerei o que vivi naquele dia.

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3 comentários em “Tailândia: Uma viagem que nunca esquecerei

  1. Maravilhoso! Vi há pouco um documentário da Inês Castel branco sobre o santuário em Chiang Mai e fiquei devastada. Que razão tem o seu avô Eduardo, somos mesmo uma poeira deslumbrada , mas devastadora !

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