Solidão

Maria sentada na cadeira, conta os passos dos ponteiros do relógio pendurado na chaminé enegrecida pelo uso. A lareira fora apagada pelo vazio da sala. Há muito que a divisão não vivia o quentinho dos dias. Há muito que aquelas paredes perderam os risos e a cacofonia de outras épocas.

Maria, sabe que o tempo tem o seu tempo. Abateu-se sobre ela um novo tempo, o tempo da solidão. Este é o seu desafio à lá excalibur.

A solidão.

Um sentimento universal que tanto nos seduz como nos aterroriza. Tivesse ela voz, diria ao mundo tudo o que sabe sobre a solidão. Sabe que está presente desde o início da criação Humana. Todos os animais foram criados aos pares. Suficientemente próximos para o diálogo e simultaneamente diferentes para não serem meros reflexos! Ninguém suporta a vida em espelho. Precisamos dos outros para nos alimentar a alma, o ego, o coração, o sorriso, a raiva e o perdão…precisamos dos outros! Isso Maria, pode gritar ao mundo!

O mundo deu má fama à solidão: o pior castigo dentro da prisão, é a solitária. Ao aluno o castigo é ficar sozinho. Ao filho é-lhe ordenado que vá para o quarto, sozinho!

É um dos maiores dilemas da Humanidade, e os porcos espinhos retratam-no bem. Estando com frio estes aproximam-se para tentar aumentar a temperatura, contudo acabam por se espetar e magoar-se com os seus espinhos obrigando afastarem-se. A solidão é assim, o frio. Daí Sartre dizer que o inferno (o calor) são os outros.

Todavia, como aprendeu Maria, não há mal que dure para sempre…Ah, e já agora: nem o bem. Tudo nesta vida tem o seu preço. Estar com os outros, evitar a assustadora solidão, obriga-nos a usar máscaras para que possamos controlar o eu da solidão. O eu da solidão é livre, tem todo o espaço para a raiva, para o ódio, para o riso, para a palhaçada… para a existência sem filtros. Melhor, tem a liberdade deliciosa de apenas ser. Pois, na presença dos outros temos de aplicar os filtros, precisamos de amordaçar o eu da solidão. Os outros levam-nos a jogar um jogo sobre o qual não temos 100% de controlo.

Tememos a solidão porque temos de nos olhar ao espelho. Os espelhos confrontam-nos com a realidade de um eu demasiado nu e cru. Maria sabe que o ficarmos demasiado tempo connosco pode levar-nos à loucura, ao desespero.

Maria também sabe que se resolveu o dilema do porco espinho: a tecnologia! A melhor forma de estar junto dos outros sem ter de levar com a dor dos espinhos. À distância de uns “cliques” ouve-se do outro lado o que nos aquece a alma…

Porém, a sala continua sem o calor de outrora. Quem diz que as paredes não falam nunca ouviu a sala da Maria.

Vive-se o tempo da comunicação. Nunca uma geração foi tão conectada como a de hoje. Porém, a Maria sabe que é a mais solitária de sempre. O dilema do porco espinho afinal não tem solução.

Maria, não tem medo de morrer sozinha.  Tem sim, medo de viver sozinha.

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

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