Sinestesias

… A dor da culpa …

As constantes transformações promovidas pela sociedade contemporânea apresentam-se como autênticos desafios de adaptabilidade do indivíduo ao mundo. Neste jogo de transições, quase instantâneas, e com exigências cada vez maiores, os adolescentes, em particular, vivenciam experiências de constante reorganização e adaptação.

Concomitantemente, a crescente informação e sensibilização no âmbito da saúde, em geral e, da saúde mental na infância e adolescência, em particular, tem permitido transformar uma área, até então vista como “restrita a pessoas/jovens malucos”, em algo crescente de visibilidade e de importância ao nível de intervenção precoce, sobretudo nos adolescentes.

Nesta fase, quando não devidamente acompanhados e suportados, estes podem apresentar desequilíbrios que coloquem em causa a sua saúde mental, necessitando, em casos mais graves (por exemplo, tentativas de suicídio, desorganização do pensamento ou perturbações de comportamento alimentar), de internamento numa unidade de pedopsiquiatria.

Deste modo, adolescentes, carregados de vivências, e com diferentes motivos de internamento, chegam-nos à procura de uma solução para o seu sofrimento psíquico que, até então, não foram capazes de reverter no mundo exterior.

Agregados a uma história única para contar, partilhar e trabalhar, estes adolescentes, face ao seu estado de saúde, trazem consigo, muitas vezes, as suas figuras parentais, sedentas de entender que dor “diferente” é esta que o filho/a tem.

Com as explicações sobre o estado de saúde do filho feitas e plano terapêutico adequadamente estabelecido, rapidamente denoto um outro tipo de “dor”, uma dor parental também ela “diferente”, não reversível com qualquer tipo de analgésico … “A dor da culpa” …

“Onde é que eu falhei? Porque é que ele/a chegou a isto? Porque não estive atento ao que me dizia?”

De facto, ainda vivemos num tempo em que a dor mental dos filhos é vislumbrada pelos pais como algo que deveria ser por eles solucionada. Tal como a primeira queda, a primeira birra, o primeiro não … 

Se nos casos das doenças físicas (como a febre) estas são de alguma forma aceites como “inevitáveis”, não acarretando qualquer tipo de culpa parental, nos casos em que envolvemos saúde mental, o sentimento de falha surge como se de algo errado se tratasse.

Como se não tivesse sido suficiente bom pai ou boa mãe.

Na prática, pais, nós como profissionais de saúde mental que somos, não procuramos a culpa ou o julgamento! No internamento em particular, perspectivamos este período como um tempo de pausa, não só para o adolescente, mas também para vós. Um tempo em que, mais do que procurarmos responsáveis pela situação atual do jovem, mobilizamo-nos numa tríade adolescente-pais-técnico, com a finalidade única de procurar soluções, promover um novo recomeço, um novo equilíbrio na dinâmica familiar.

Mas separados, como poderei ajudar o meu filho?

O facto de ser o único internamento pediátrico sem a presença de familiares não é em vão…

Na prática, este espaço não pretende uma separação efetiva entre pais e adolescentes, mas sim, um distanciamento necessário, na procura de um novo olhar, quer para o adolescente, quer para os pais.

Assim, com a intervenção adequada, disponibilidade para a mudança do adolescente e, em parceria com os PAIS, certamente, torna-se mais fácil deixarmos de vislumbrar apenas uma solução pouco adaptada ao problema. Deixa de haver apenas uma saída para passarmos a vislumbrar a rotunda com as diferentes possibilidades de escolha …

E sim, no final … haveremos de escolher a melhor saída … sem culpa …

 

Nota sobre o autor 

Chamo -me André Maravilha, tenho 31 anos e sou Enfermeiro especialista em Saúde Mental. Há dez anos que dedico a minha profissão à intervenção, em internamento com crianças e adolescentes que, por variadíssimas razões, se encontram em sofrimento psíquico.

Em simultâneo com esta paixão, que é a saúde mental da infância e adolescência, escrevo na minha página de Facebook “Agora Piensa”,algumas reflexões pertinentes sobre a área, quer para os jovens quer para os pais.

Gostava que a saúde mental e a sua intervenção em Portugal tivesse outra visibilidade.

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