Simples

Gosto muito de “Bolachas Maria”. Gosto mesmo. Não sei se pelo sabor não excessivamente doce. Não sei se pela ausência dos recheios que tantas vezes me causa desagrado ao paladar. Mas gosto. Gosto da simplicidade aliada ao sabor inalterável de sempre, que não desilude. Mas… Não foi sempre assim. Quando era criança, não gostava assim tanto desta iguaria. Achava-as demasiado simples. Queria explosão de sabores. Preferia a descoberta e a complexidade – talvez porque a vida ainda não me tivesse ensinado a importância da beleza e do encanto da simplicidade. E é tão rara, a simplicidade…

A magia da passagem dos anos e as experiências da vida têm-me ensinado a valorizar a simplicidade. A simplicidade que está nas pequenas coisas – tão grandes. A simplicidade que está no cheiro característico que sinto sempre que entro na minha casa. A simplicidade que está no abraço que o meu filho me dá só porque sim. Que está no beijo de boa noite que, invariavelmente, recebo da minha pessoa-abrigo. Que está na chamada da minha mãe que, por volta das 20h00m, recebo todos os dias, desde sempre. A simplicidade que não desilude – como as “Bolachas Maria”.

Olho em redor e apercebo-me que a vida tem trazido até mim as pessoas mais simples e perfeitas com que eu me poderia cruzar. Trouxe-me amigos daqueles de vida, daqueles simples, a quem posso ligar para um café daqui por meia hora. Daqueles simples que não inventam dores de cabeça nem unhas encravadas. Daqueles que vibram com as minhas alegrias e que correm até mim para um abraço nos momentos de maior angústia. São poucos, mas são tão bons – como as “Bolachas Maria”. E a Andreia é assim. É a pessoa que vive as minhas alegrias com a sua forma tão ímpar de sorrir com o coração. É a pessoa que não esquece datas importantes, que me liga só para partilhar um desabafo. É a pessoa a quem eu ligo para pedir um café “daqui a bocadinho”. É a pessoa a quem sei que posso ligar às 3h da manhã se tiver um furo no carro – não saberá mudar o pneu, tal como eu, mas há-de arranjar forma de ir ter comigo só para me fazer companhia. A Andreia é simples – tal como as “Bolachas Maria”, mas a vida tem sido tão complexa com ela… Tão madrasta – roubou-lhe a sua pessoa-abrigo sem aviso. Puxou-lhe o tapete do sorriso. Roubou-lhe a esperança que entrelaçava o seu coração à simplicidade de alguém. Mas… O Universo encarrega-se de nos devolver o que lhe emanamos, não é? Então, querido Universo, posso pedir-te simplicidade para a minha Andreia? A simplicidade de um sorriso verdadeiro. A simplicidade de uma vida plena. A simplicidade do cheiro a felicidade? Simplicidade… Porque a Andreia é tão simples – como as “Bolachas Maria”, que nunca desiludem.

Lembro-me como se fosse hoje. 15 de Dezembro de 2018. O sol tinha-se posto, a noite estava cerrada e o barulho das escovas do limpa-vidros acompanhou-nos na viagem que fazíamos até casa. A chuva fazia-se sentir e trazia com ela o nevoeiro. O dia tinha, no entanto, começado com sol e gargalhadas lá por casa, com as piadas que nos surgiam por via virtual de um amigo tão simples quanto especial. Rimos, fizemos planos, sorrimos… Ele estava de viagem até ao sítio onde não queria estar naquele dia – Macedo de Cavaleiros. A menina dos seus olhos, a sua Andreia, era bebé nesse dia e tantas foram as vezes que nos disse que o seu sítio preferido era do lado dela.

O telemóvel tocou. E era a nossa Andreia. Chegámos a casa e apoderou-se de nós a maior sensação de vazio até então sentida. As mil dúvidas e interrogações não nos davam espaço para palavras. Ficámos ali, firmes, a acreditar até à última. Esperámos que nos retribuísse as chamadas. Achámos que tinha ficado sem bateria, sem rede… Qualquer hipótese seria válida, menos a sua partida. Colocámos, ainda, a hipótese de estar ferido ou de ser o único sobrevivente… Mas havia de surgir com vida e com uma piada das suas a dizer que ainda não tinha sido desta. Nunca a hipótese da sua partida ganhou espaço na nossa mente. Não podia ser. Tinha demasiados sonhos e projetos por cá, não poderia partir assim. E… Ele era o homem mais forte do mundo, como tantas vezes nos dizia a sorrir. O Batman que, por não ter super poderes, continuava a ser o seu super-herói.

Desde aquele dia triste em que o pilotar de um helicóptero do INEM te levou a vida, tantas são as vezes em que continuamos a rir contigo… Porque a tua simplicidade continua a ser contagiante. E não desilude. Como as “Bolachas Maria”. E a Andreia é o mais precioso tesouro que nos poderias ter deixado. Nunca desilude. Como as “Bolachas Maria”.

Txim txim a ti, Luís Rosindo! Parabéns para o céu!

Nota sobre a autora:

Corria a década de 80 quando Évora viu nascer a Tânia Caiado Amaral. Rebelde e franzina, de olhos azuis e caracóis loiros, a sua infância decorreu na aldeia de Brejoeira (Coruche). Cresceu rodeada pela natureza, fez viagens de bicicleta ao por do sol, saltou nas poças de água e guarda até hoje o cheiro a terra molhada da sua infância. Rumou a Lisboa com 18 anos para dar continuidade ao seu sonho de estudar. Hoje é enfermeira, especialista em pediatria, e é nas crianças que continua a depositar a esperança de um mundo onde a reine a alegria de ser livre. Apaixonada pela escrita e pela natureza. Autora de livros infantis. Apaixonada por pessoas: é nos seus filhos e no seu marido que encontra a sua maior fonte de amor e inspiração. Apaixonada pela vida.

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1 comentário em “Simples

  1. Um texto, muito bem escrito lindo e triste também, fez me viajar até aquele maldito dia, o Luís era tudo isso, a Andreia é tudo isso.
    Fez me chorar muito, porque a minha dor é eterna… A minha ferida está sempre exposta e reage ao mínimo sinal.
    Obrigada por serem amigos do meu filho e da Andreia que é a mulher que ele escolheu, tinha escolhido para casar… 😘

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