Sede de peixe

Fill a space in a beautiful way”, escreveu Georgia O’Keefe. Por vezes sem nos apercebermos tomamos uma decisão que se torna nossa para a vida inteira. Há uma pergunta que advém daí, e que há muitos anos me provoca dores de estômago. “Qual será o meu verdadeiro lugar no mundo?”. Acredito que este seja um desassossego de tantos outros que caminham de pés descalços. Peço direções aos deuses, ouço os búzios, e olho as constelações, só que é o presente que me confronta e obriga a dar- lhe uma oportunidade atenta, mais honesta, mais capaz, sem pressas de futuros concretizados. Não existo nem mais a sul, nem menos a sudoeste. Invado-me de silêncio, abrando o suor e compreendo que não quero ser mais do que aquilo que me compete, e por vezes é difícil aceitar esse lugar que não vai além do quintal. É preciso estar-se preparado para agarrar dentes de leão, e eu sou mais tímida que faladora, mesmo quando a voz rasga. Sou melhor a falar dentro de mim, do que para fora de mim, do que conheço na pele ao invés do que presencio à distância. Quero vestir a simplicidade, e não sei como se faz. Conheço os que sempre souberam a cor de cabelo que querem usar, quantos filhos querem ter, e os amigos que querem manter. Sou sozinha. Não tenho qualquer resposta a nenhuma dessas perguntas, sei o meu nome, a cor dos meus olhos, e o sonho que carrego ao peito, tudo o resto é um improviso de Dali desenrolado ao flutuar do vento. Quanto mais me encontro, mais perco os outros, quanto mais sei de mim, mais sei dos outros. Sou tão maior quando não peço nada, e fico no ordinário da vida, contudo insiste crescer a pergunta inata que não me morre. Porque é que exijo mais que o comum? O Woody Allen, explica magnificamente essa sede de peixe, no filme Stardust Memories. “What happens if you’re living in a more affluent society and you’re lucky enough to not worry about food, and your surviving? So then your problem become how can i fall in love, and why do I age and die, and what meaning life possibly have. The issues become very complex for you.” Há uma vontade imortal em descobrir o segredo da vida, e é aí que eu moro, na ambiguidade de querer e não querer matar este peixe.

Nota Sobre a autora: 

O meu nome é Filipa Pina. Sou aprendiz de Humano, nasci no campo, tenho 25 outonos, e formei-me como atriz. O caminho tem sido duro, solitário e longo. Sou curiosa, apaixonada e sonhadora romântica. Emigrei, trabalhei em inúmeros setores fora das artes, chorei e questionei muito o universo sobre o porquê de não conseguir um palco, e na falta de respostas comecei a desenvolver o meu caminho espiritual. Liberto-me no yoga, na corrida e no silêncio. Sou apaixonada por cinema, danço com a alma no regaço e perco-me horas nos livros que me chegam às mãos. Escrevo porque não me sei explicar de outra forma, foi a vida que me ensinou a escrever, foi a vida que me pediu que escrevesse. As palavras tornaram-se a minha casa, é na arte que sou inteiramente eu. Estou desde março a trabalhar numa caixa de supermercado, e em paralelo, a viver uma vida dupla, enquanto escrevo o meu primeiro romance. Sou da família dos pássaros sem gaiola, e dia 6 de setembro, parto novamente para o UK, com uma fúria destemida de abraçar o meu sonho, para que ele não esmoreça ou morra. A arte salva-me todos os dias, a vida por si só não me chega, preciso de poesia, do riso, da dor. Não tenho tempo para morrer. “For an artist, to be normal is a disaster.” – J.Mekas.

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