Saudades indescritíveis

Há um ano já não pudeste vir ao meu aniversário. Estavas doente. Não pudeste vir ao aniversário da tua neta mais velha. Ao aniversário da tua “filha”. Acredito que até a tua partida foi calculada por ti. Não podias ir embora no meu dia. Tu sabias o espaço que ocupavas e ocupas no meu coração. Não foi por teres partido apenas no dia seguinte que me fez aliviar a dor. A dor foi e continua a ser grande sempre que me recordo de ti.

Acredito que mesmo estando tu muito mal e já sem forças quiseste aguentar por mim. Tal como fizeste sempre ao longo da tua vida. Sempre tudo por mim. Mas não é deste dia que me quero lembrar, apesar de nunca o conseguir esquecer. É de todos os outros dias que te tive comigo.

Avô lembras-te quando me ias buscar à escola primária? Saía as 12h mas as 11h tu já lá estavas à porta da escola. Olhava pela janela da sala e lá estavas tu. Eras o primeiro.

Sempre quiseste ser o primeiro em tudo que contribuísse para a minha felicidade.

Sempre.

Quando partiste já não te lembravas de muita coisa, estavas confuso e isso tornava-se um aperto dentro de mim, mas eu tinha que aceitar… era como muita gente diz “ a lei da vida” que eu não queria aceitar.

A “lei da vida” levou-te memórias, e levou-te de mim. Mas não te levou do meu pensamento.

Lembras-te quando construíste dois baloiços com uns pauzinhos em madeira na frente para que eu e a C*** não caíssemos? Eu lembro. Éramos as tuas “filhas”. Não precisávamos de te pedir nada. Tu fazias, só para nos ver sorrir.

Faço questão de contar isto a toda a gente. Não pelo presente em si, mas pelo orgulho tão grande que fazias e me fazes ter em ti. Pelo “amor” que sempre demonstras-te ter por mim. Não me canso de contar tudo que nos fazias. Não me canso de mostrar o coração tão grande e tão bom que tinhas.

Avô, tu lembras-te quando saía da escola e íamos de mota buscar o meu nenuco a casa? “Obrigava-te” a trazer nas manetes da mota sempre 3/4 sacas com os brinquedos. Reclamavas sempre, mas no dia seguinte ias comigo de novo buscar tudo. E no dia seguinte outra vez. E por aí em diante. Até eu dizer que já não gostava de nenucos. Já era crescida avô mas sei que aos teus olhos era sempre a criança que brincava com bonecas, que brincava com lousas,…

Mas estava a crescer avô.

Se a minha infância podia ter sido melhor? Não! Não podia!

Proporcionaste-me com a avó, a infância mais linda do mundo. Uma infância repleta de sonhos, de carinho, de atenção, de felicidade e sobretudo uma infância que transbordava amor.

Não podia ter melhores professores da disciplina “vida” que vocês.

Desempenharam/desempenham um papel de professores da vida tão perfeito que hoje tudo que de bom consigo é graças a vocês.

Fazíamos todos juntos contas, líamos textos e fazíamos tabuadas. Mas não é desse ensinamento a que me refiro. Refiro-me ao ensinarem-me a dar valor às coisas simples, refiro-me ao ensinarem-me a ouvir as pessoas, a respeitar as pessoas, a ser educada, a saber lidar com os problemas e a querer sempre ser mais e mais. Ensinaram-me o que era amor. E isso não se aprende na escola. Aprendi com vocês as bases essenciais da vida. O fundamental.

Podia um teste correr mal na escola, um dia ter corrido mal que não importava, para vocês eu seria eternamente a melhor. Pelo menos aos vossos olhos eu era a melhor. Hoje em dia, esse orgulho que tinham/teem em mim reflecte-se no meu dia-a-dia. Porque aconteça o que acontecer e corra o dia como correr, eu sei que continuam exatamente a ter o mesmo orgulho em mim como nos dias em que trazia “muito bom” nos testes.

Faziam sempre questão de me dizer o quanto orgulhosos ficavam de mim por cada simples mérito que tivesse fosse no que fosse. O dizer “bom dia” às pessoas que passavam por nós na rua já era o suficiente para se orgulharem. Mas não precisavam de o dizer. O brilho nos vossos olhos falava por si. O sorriso que me davam fazia-me querer ser sempre e cada vez mais vezes o vosso orgulho.

Perdoa-me se algumas vezes te falho.

Por isso avô, tu hoje não estás aqui comigo, nem com a C***, que tu sabes o que sente por ti. Ontem não estiveste novamente no meu aniversário, mas nunca, nunca, nunca nesta vida nem em qualquer outra tu vais deixar de estar nos nossos pensamentos.

Não me fui despedir de ti avô, naquele dia. Sei que não ficas-te triste por isso. Tu sabes bem que não aguentaria. Talvez possa ter parecido egoísta da minha parte, mas o que realmente me interessava era o que tu irias dizer se cá estivesses e sabia perfeitamente que dirias “não vás filha, vais ter muito tempo para ir a essas coisas infelizmente”. E foi o que fiz avô. Não fui capaz. Não fui capaz.

Sei que me irás ralhar aí onde estás por te dizer isto: mas desculpa-me avô por não ter sido capaz.

Serei te eternamente grata por tudo!

Quero acreditar que estás bem.

E as tuas “cachopas”… As tuas “cachopas” estão aqui para cuidar da mulher e das nossas vidas.

Saudades…

Amo-te avô.

Nota sobre a autora: 

O meu nome é Daniela. Trabalho há seis anos, mas com o decorrer da vida senti uma necessidade grande de escrever. De escrever o que sinto. O que muita gente sente. Falar sobre dores que ficam, dores que aliviam com a escrita mas que não passam. Deixo nas palavras pesos que não consigo carregar sozinha. Saudades de quem não tenho, amores que rumaram por caminhos diferentes dos meus, presenças que me fazem falta. São também as palavras que me ajudam a amar. A dizer o quanto a vida é bonita e o quanto agradeço por ter pessoas boas na vida. Sou grata por me lerem. E é desta forma que a minha vida faz ainda mais sentido.

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1 comentário em “Saudades indescritíveis

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