Quarentena: tempo para pensar e renascer

Nunca temos tempo para nada. Não podemos faltar àquela reunião, não podemos almoçar com amigos porque temos de preparar o dia de trabalho, não podemos ler aquele livro pousado na mesinha de cabeceira há meses porque temos calhamaços de outros livros para estudar, não podemos dar um passeio no parque porque temos de fazer as compras da semana, não conseguimos ver o mar porque o telemóvel não para de tocar. Se pensarmos bem nestas coisas, são apenas o espelho do fluxo do mundo, um comboio que não para e a qualquer momento pode descarrilar. Bem, parece que já se descarrilou.

De repente, somos obrigados a parar. De repente, tiram-nos a carga de trabalho e temos tempo para ler aquele livro e outros tantos, tempo para telefonar aos amigos com quem não fomos almoçar. É certo que não podemos ir para a natureza nem ver o mar, mas temos tempo para respirar bem fundo, olhar com clareza para a nossa vida e sabermos quem somos, onde estamos e, talvez, decidir o que queremos ser e para onde queremos seguir. Temos o tempo que tantas vezes pedimos ou que precisávamos e não sabíamos. E não o podemos desperdiçar.

O ser humano é, por natureza, um ser gregário. Não podemos negar a nossa natureza, como é óbvio. Mas muitos de nós veem-se obrigados a isolarem-se. Recolherem-se, prefiro esta palavra. O recolhimento é, neste momento, um ato de amor e altruísmo, mas também de sacrifício. Sim, estar sozinho ou fechado em casa é um sacrifício. Mas é diferente de se estar solitário. Alguém sozinho pode estar com tanta gente e ser tão criativo que poderá, por exemplo, desenvolver uma teoria que vai mudar o mundo. Em 1665, Isaac Newton frequentava a Universidade de Cambridge quando uma grande praga atingiu Londres. Em virtude disto, a universidade encerrou por algum tempo e os alunos foram mandados para casa. Sem o auxílio dos professores, os estudantes tiveram de continuar os seus estudos em casa. Foi então durante este tempo de confinamento que a famosa história da maçã terá acontecido e surgiu a Teoria da Gravidade.

Claro que não é expectável que todos nós nos convertamos em cientistas, músicos, pintores, escritores de renome ou noutras futuras lendas durante este período. O que podemos retirar deste exemplo é que podemos tornar este tempo tão atípico numa janela de oportunidades e criatividade que podem contribuir para a prosperidade do mundo. Ou então para a nossa própria evolução interior, o que contribui para um mundo melhor.

Este período também poderá ser utilizado para nos vermos ao espelho, fazer uma reflexão. Estamos no bom caminho? Que mudanças precisamos de fazer? Esta reflexão pode-nos levar a um lugar que não queremos. À desilusão ou à depressão. Perceber que falhámos, que temos defeitos, que afinal não somos tão bons como pensávamos ser, há muitas grutas dentro de nós. Não desesperemos, nunca é tarde e temos agora, diante de nós, uma oportunidade única para nos reciclarmos e fazermos todos os esboços. Para que, quando pudermos sair, sejamos uma pintura muito mais alegre e luminosa. Com novos valores, mais empáticos e solidários, sabendo que o caminho do umbigo nunca nos vai levar a lado nenhum.

 Até lá, quando virmos a escuridão a aproximar-se, “dediquemos tempo à leitura. (…) O espírito agradecer-nos-á.”, como diz o poeta Tomás Sánchez Santiago.

Bem sei que a quarentena não é para muitos, demasiados até, algo assim tão romântico. É também um drama e será por muito tempo. Mas por hoje, só por hoje, quero pensar positivo.

 

Daniela Oliveira

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