Quando a doença ultrapassa a ciência

Recordo-me do primeiro doente que faleceu comigo, do primeiro doente a quem realizei a preparação do corpo após a morte, e de muitos outros que me permitiram acompanhá-los nos últimos dias da sua vida. 

Devido à minha personalidade, crio facilmente relações empáticas e terapêuticas com o doente. Coloco-me muitas vezes na sua pele e esforço-me por conseguir transmitir-lhes a segurança e conforto necessários, através do conhecimento, mas também através do sentido de humor e da partilha. 

Já fui alvo de muitos desabafos e de partilhas de histórias de vida e de receios. São muitas as vezes em que me perguntam “Vai correr tudo bem, não vai?” E nessa altura, com tudo o que aprendi com os enfermeiros, apenas respondo “Até o Sol se deita para que a Lua possa brilhar.” 

Se anteriormente já valorizava os pequenos gestos e palavras, agora ainda mais. Aprendi que um sorriso, um aperto de mão, uma palmada nas costas e uma piada confortam muito mais do que um diálogo enorme. Aprendi a ler nos olhos e a responder com silêncio. Mas, essencialmente, aprendi a lidar com a morte. 

Não é fácil ver partir alguém a quem dedicamos grande parte do nosso tempo e com quem, entre autocuidados, medicação e diálogos, partilhamos parte do que somos. Agora compreendo quando dizem que quando morre um doente, morre parte de nós. Contudo, penso que não devemos pensar que essa parte de nós morre, mas sim que construímos mais um bocadinho do puzzle do nosso eu. 

A verdade é que todos os dias, com cada doente que passa pelas nossas mãos, recebemos lições de vida e nos questionamos: O que é realmente importante na vida? Estarei eu a viver a minha vida, ou a vida que os outros querem que eu viva? Quanto tempo mais estarei neste mundo? Lidar com a morte no dia-a-dia, impossibilita evitar refletir sobre a nossa própria existência e finitude. Passamos a valorizar as pequenas coisas da vida e a aproveitar todos os minutos como se fossem os últimos. 

 

Nota sobre a autora

Joana Carvalho. Sou Enfermeira e Musicoterapeuta. Desde que me conheço que uso a escrita para comunicar comigo e com os outros. A escrita tem o poder de tocar corações, tal como a música, pelo que permite criar pontes entre as pessoas. Atualmente tenho um blogue, onde partilho as minhas aventuras de fé e vida, bem como as minhas experiências de voluntariado missionário. Tenho utilizado o blogue também para alertar para a Doença de Crohn e Artrite Reumatóide que comigo vivem estas aventuras.

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1 comentário em “Quando a doença ultrapassa a ciência

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