Os 635 euros que suportam o país

O plano de desconfinamento está aí. Aos poucos podemos começar a sair para esta nova normalidade. Melhor, alguns podem começar a sair. Muitos, não puderam sequer entrar. Tiveram de ficar, de enfrentar toda esta hecatombe de frente. De arregaçar as mangas e continuar a fazer o que faziam todos os dias, com o risco acrescido do momento.

Foram muitos a ficar no terreno para que o país não parasse. De quando em vez, lá se nomeavam as profissões dos “novos heróis” que enfrentavam o perigo. Ora, quem são estes heróis? De certeza que sabe de cor…as equipas de limpeza, as equipas de recolha de lixo, os auxiliares de saúde, médicos, enfermeiros, técnicos de diagnóstico, os ajudantes de ação direta, as forças de segurança, os profissionais de supermercado, os bombeiros,  os assistentes sociais…  Enfim, toda uma panóplia de pessoas que não puderam escolher ficar em casa. Para eles não havia teletrabalho possível. De um dia para o outro passaram a ter de adotar novas práticas laborais, passaram a conviver com o invisível que poderia destruí-los, e destruir as suas famílias, mas mesmo assim não podiam paralisar. Para estes, que tiveram os 45 dias no terreno, não houve aplausos. Depois da pandemia passar, para todos eles não haverá reconhecimento.

Deverá fazer-nos pensar, a todos, que os que mantém a roda a girar, regra geral, vivem com o ordenado mínimo e com escassos direitos laborais. Não têm voz. E sempre que se tentam fazer ouvir são silenciados com a carta de desemprego! São muitas vezes vistos pelas empresas como os descartáveis, os “qualquer um faz a tarefa do Manuel”. É esta a base que suporta todo um sistema. Se olharemos para o panorama vemos a roda a ser empurrada por um grupo de trabalhadores que está exausto física e psicologicamente, que ganha o mínimo obrigatório e que tem direitos laborais nos mínimos olímpicos.

Se durante estes três estados de emergência nada lhe faltou, em muito se deveu ao distribuidor que fazia com que as suas compras online lhe chegassem a casa. Se havia stock de produtos alimentares em muito se deveu aos que continuaram a produzir, os seus verdes, a sua carne, o seu peixe, entre outros. Se quando dava os seus passeios higiénicos as ruas estavam limpas, sim, eles continuaram a recolher o seu lixo. Se a ordem da sociedade se manteve, deve-o ao distintivo daqueles que mais do que nunca andaram na rua. Se os seus pais/avós tiveram os cuidados necessários, em muito o deve às equipas que anularam a sua vida pessoal e fizeram verdadeiras quarentenas em lares. Se esteve doente sabe perfeitamente que esteve lá para si….

 Muitos destes ganham o ordenado mínimo, não têm carreiras instituídas, não têm contratos coletivos de trabalho (e quando têm são tão obsoletos, que mais valia não terem), não têm uma força sindical por de trás. São estes que levam com o primeiro embate da crise e são os últimos a levar com os respingos da retoma. Quando se manifestam sobre a asfixiante crise,  muitos apontam-lhes o dedo e dizem que deviam ter um fundo de emergência. Todavia, quando chegam ao fim do mês com as contas todas pagas e olham para o que sobrou até têm medo de ir colocar numa conta poupança. Não vá o banco pedir-lhe a comissão e eles ficarem com a conta a negativo.

Há uma roda que gira e é barata. Depois há um outra que tem um buraco sem fundo sobre essa, só sabemos que para girar são necessários milhões!

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

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