Órfãos políticos

Depois de árduas lutas pelo direito ao voto. Há, agora, um desencanto generalizado por esta conquista que fez correr sangue, suor e lágrimas. Um pouco por toda a parte do mundo os índices de abstenção são elevados. Claro, fala-se de países onde há liberdade para se ir votar.

Tendencialmente há uma atitude de culpabilização da população. Frequentemente, se diz que o povo não vota porque prefere ficar na praia ou no conforto de casa.

Talvez a premissa não seja assim tão linear.

Em 2016, a campanha de Trump enviou notícias falsas e desinformativas a 3,5 milhões de eleitores negros com o intuito de fazê-los desistir de votar. Os anúncios foram direcionados com base em informações de 198 milhões de americanos divididos em oito categorias – uma delas, chamada “dissuasão”, era formada por eleitores negros que provavelmente votariam em Hillary Clinton ou não votariam em ninguém.

Os EUA, que apesar de serem das democracias mais antigas do mundo, ainda hoje colocam entraves ao voto. Negros, latinos, asiáticos e nascidos nos anos 80 representam quase 60% do eleitorado americano e têm ideias mais progressistas, porém não conseguem chegar às urnas.

São as pequenas subtilezas que se vão enraizando e vão afastando da política grandes frações da sociedade. Restringir o voto apenas a um determinado grupo vai determinar resultados eleitorais similares o que, por sua vez, afasta muitos que acabam por não se sentirem representados.

O facto do voto, historicamente, ter começado por pertencer a uma elite, ainda hoje tem consequências em vários países do mundo. Muitos, apesar do acesso à informação continuam a não se envolver no processo eleitoral. Julgam o processo complexo e distante das suas vidas. Recordo-me que quando cheguei aos 18 anos e fui votar, levei a minha mãe comigo. A minha mãe já não votava há anos! A desculpa dela era que eram sempre os mesmos e que a vida dela era sempre igual independentemente de quem estivesse a governar. Para ela (e para muitos milhares) a política é um outro mundo que em nada tem a ver com o seu quotidiano de trabalhadora, mãe, mulher….

Nos meandros políticos há um sacudir da água do capote pois, não interessa realmente que todos estejam envolvidos e informados. Assim é mais fácil manipular o discurso para que chegue às massas apenas a versão pretendida.

Desta forma, chegamos a um ciclo vicioso.

Os políticos acusam as massas de não se envolverem e as massas acusam os políticos de não as envolverem.

O que é certo é que política se mantém arreigada a princípios e valores que apenas dizem respeito a uma elite que já não é representativa das sociedades. Isto traduz-se em milhões que, um pouco por todo o mundo, se sentem órfãos de representatividade política.

            Essa orfandade tem estado a condicionar a nossa evolução. A política deve servir a população, não o inverso. O uso manipulativo das massas para se atingir um lugar de poder tem estado a condicionar reformas estruturais e urgentes que a Humanidade precisa de encetar o quanto antes. Quem é eleito deve ser representativo da sua sociedade e não apenas de uma elite.

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

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