Onde está a tolerância neste mundo binário?

Karl Popper viveu numa sociedade que permitiu a segunda Guerra Mundial, por isso quando terminou o seu doutoramento em filosofia debruçou-se sobre o paradoxo da tolerância que aparece na obra “A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos”. No livro, Popper identifica e critica extensamente as ideias filosóficas que deram origem, na opinião do autor, aos movimentos totalitários do século XX. Todo o livro é uma defesa da sociedade aberta e pluralista, da racionalidade e do falibilismo.

Ora a leitura deveria ser obrigatória (estou a ser pouco tolerante?) nos dias que correm. Nós que já lemos e estudamos sobre a idade das trevas, estamos a caminhar para o desenvolvimento de um mundo binário e isso pode atirar-nos para esse mundo novamente. Um mundo onde se acreditava numa verdade absoluta e tudo o que não se enquadrasse era considerado fruto do pecado, da bruxaria e por aí fora…

Escrevo no ano de 2020. No rescaldo das eleições norte americanas, no meio de uma pandemia mundial, na proliferação de movimentos como “Black Lives Matter”, num planeta que sucumbe a alterações climáticas, numa civilização que assiste a uma crise de refugiados massiva. Assim, também eu me sinto o Popper.

Eu, que desde sempre condenei a falta de tolerância. Eu que sempre defendi que na sociedade há muitas zonas de cinzento. Dou por mim a ter pouca tolerância com os movimentos binários que o mundo tem estado a desenvolver. Parece que estamos novamente a negociar o Tratado de Tordesilhas com linhas que separam: bem/mal; verdade/mentira; certo/errado.

O mundo traçou para si mesmo que só estas variáveis são as adequadas para explicarem fenómenos sociais, complexos e muito pouco binários.

Quando olhamos genuinamente à nossa volta por momentos percebe-se que somos demasiado tolerantes. Isto é, somos tolerantes com todas as pessoas intolerantes e não estamos preparados para defender a nossa sociedade tolerante de grupos sociais que promovem a intolerância. Logo, a tolerância na nossa sociedade vai acabar por ser destruída porque vão ser os grupos intolerantes a ganhar.

Ou seja, se queremos uma sociedade tolerante, esta também deve conter nos seus valores essenciais a possibilidade de não tolerar aquilo que não é tolerável.

Deixo citação de Popper (2012), para que possamos refletir sobre isto…

Menos bem conhecido é o paradoxo da tolerância: tolerância ilimitada levará ao desaparecimento da tolerância. Se estendemos tolerância ilimitada até àqueles que são intolerantes, se não estamos preparados para defender a sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, juntamente com a tolerância. Nesta formulação não pretendo dizer que devamos sempre suprimir a verbalização de filosofias intolerantes; conquanto que possamos contradizê-las através de discurso racional e combatê-las na opinião pública, censurá-las seria extremamente insensato. Mas devemos reservar o direito de suprimi-las, mesmo através de força; porque poderá facilmente acontecer que os intolerantes se recusem a ter uma discussão racional, ou pior, renunciarem a racionalidade, proibindo os seus seguidores de ouvir argumentos racionais, porque são traiçoeiros, e responder a argumentos com punhos e pistolas. Devemos, pois, reservar o direito, em nome da tolerância, de não tolerar os intolerantes. Devemos afirmar que qualquer movimento que prega a intolerância está fora da lei, e considerar criminoso o incitamento à intolerância e perseguição, da mesma forma que é criminoso o incitamento ao homicídio, ao rapto ou ao reavivar da escravatura.”

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

 
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