“Olha que vais nascer de novo”

Há quase onze meses, ao mesmo tempo que o Xavier respirava pelo pela primeira vez, nascia uma mãe.

A maternidade muda toda uma existência. Antes éramos nós, a nossa família, o companheiro que escolhemos para a vida, o  nosso emprego. Capacidades imensas de fazer mil coisas ao mesmo tempo, com poucas horas de sono, sem esquecer o rímel e o baton, a ida ao cabeleireiro, o treino do ginásio. Aquelas férias de mochila às costas, o ir sem destino e sem lugar para ficar. Marcar um jantar de meses de namoro, passar um dia inteiro em casa a fazer amor, passar um dia inteiro sozinha sem fazer nada.

Agora somos ele. A maior parte dos dias é ele. Ele que cresce, a sua rotina, o seu sono, o banho, as roupinhas que temos vontade frenética de comprar sem parar, mesmo quando saímos dispostas a renovar o nosso guarda-roupa, as mil fotos no telemóvel. Mais os dentes, as cólicas, as gracinhas, as primeiras palavras, o gatinhar, os passos que já dá.

Dizem que a gravidez nos prepara para muitos dos desafios que a maternidade nos traz. Concordo.  Mas, para lá de uma infinidade de transformações físicas e outras tantas coisas que vamos descobrindo, ninguém nos preparar para o nosso próprio (re)nascimento, para o luto de uma parte de nós.

Doí quando não sabemos o que fazer enquanto ele chora, doí quando não acertamos na primeira sopa, quando temos medo de falhar na amamentação, quando não dormimos, quando passamos muito tempo de fato de treino sem ir fazer as unhas, quando a nossa principal função e chip interno se programaram para tomar conta de um ser pequenino, que por acaso nasceu de nós e na maior parte das vezes não nos diz o que tem.

Faltam-me muitas vezes as forças nas pernas e a capacidade para respirar fundo e serenar completamente (desconfio que nunca mais tal seja possível). Fazer crescer feliz um filho, uma família que nasceu ao mesmo tempo que ele e sentir-me realizada  com a mulher que renasceu cá dentro depois do parto, é um desafio, um propósito e um reencontro constante.

Nas dores deste crescimento, confesso que sou uma Mãe orgulhosa. Que sinto que o papel que desempenho, o crescimento que faço não sendo perfeitos, são bons. Saudosa muitas vezes do que também já fui.

Ninguém nos avisa que naquele instante, sem o querer saber, uma grande parte de nós muda. Outra parte de nós perde-se para que possamos ganhar espaço para algo maior.

Ninguém  nos disse, que depois da adolescência, crescer ia doer outra vez. Ninguém nos prepara tão bem como um filho para sermos mães (e pais também)… querermos ser sempre as melhores. Mas há todo um caminho incerto pela frente! Ninguém nos relembrou que é quase sempre nas fases de crescimento que as melhores coisas acontecem.

Os nossos braços aumentam de tamanho para que o amor, o tempo, o conforto e a calma envolvam o nosso filho. Esticam-se em conjunto com a nossa coluna, para que  o nosso colo possa ser o melhor lugar do mundo.

Poucas coisas são tão boas como a gargalhada de um filho, a sua mão a procurar o nosso corpo, o seu olhar enquanto cantamos uma canção de embalar, o simples observar o seu dormir. Mas as dores que fazem crescer a mãe que acompanha um filho custam, são dores, por si só, doem.

Quando engravidamos, ninguém nos diz: olha que vais nascer de novo.

Se, por um lado, assim que um filho sai do nosso ventre o universo conspira para que o nosso instinto saiba o que fazer, por outro, as pernas doem ao reaprender a caminhar no mundo onde deixamos de ser só filhos que correm para as asas dos pais para passarmos a ver nascer as nossas próprias asas.

Sou mãe há quase 11 meses, estou a aprender a andar. O meu sorriso aumentou de tamanho. Tenho perdido a noção do tempo, voltei a rir de coisas muito simples e pequenas. Tenho caído, às vezes faço umas nódoas negras, choro, às vezes não sei porque choro, acho que faço umas birras daquelas que passam tão rápido, que no instante seguinte, já estou a rir. Às vezes sou tão pequena quanto o Xavier para noutras vezes crescer tão rápido quanto ele.

Um mundo todo para viver, mais outro todo a aprender como.

 

 

Nota sobre a autora

Carolina Albuquerque, 34 anos. Mulher e Mãe em construção, depois de 12 anos de trabalho na área da gestão educativa e formação profissional.

Casei no dia do meu aniversário com o meu companheiro de viagem. 9 anos depois, uma volta ao mundo e mais meio mundo em aventuras de mochila às costas, nasceu o Xavier, um bebé simpático e feliz. Eu beirã, casei com um saloio e tenho um filho alfacinha, vivemos num pequeno T2 em Lisboa, com o Caril, um giro cão de loiça amarelo; diz que por agora é o único animal compatível com os metros quadrados da nossa vida. Eu gosto de livros, de fotografia, de escrever  sobre lugares, pessoas e culturas e neste momento sobre os desafios da maternidade, nem sempre fáceis para mulheres cheias de vida e de projectos.

Gostamos de escolhas saudáveis na nossa cozinha e de visitar lugares de comida indulgente e confortável. Gostamos de lugares bonitos, adoramos Lisboa.

Mãe em permanência, cheia de planos e sonhos, cheia de fé na vida e nas pessoas, acredito que o melhor em tudo está por chegar. Com gosto pela escrita, pelas emoções dos dias simples, pelas viagens sem destino e pelas coisas boas da vida. Com a vida profissional em standby depois de ter sido recusada em alguns trabalhos por ter um filho pequeno, desfruto da maternidade (nem sempre fácil) e das pequenas coisas que o dinheiro não compra mas pelas quais sou muito grata.

 

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