O sol foi por ali

Era terça-feira de manhã e recebemos uma chamada “Venham. As coisas complicaram-se de noite e chamámos o INEM”. Ficámos petrificados, nunca estamos preparados para nos despedirmos para sempre de alguém que gostamos.

Chegamos ao lar, olho para a cama do meu avô e ouço-o respirar. Respirei de alívio, porque o que quer que acontecesse, eu ainda ouvi o seu suspiro.

Senti que o momento da despedida estava perto, não queria acreditar nem aceitar. Mesmo que soubesse que já não íamos ter muito tempo de qualidade juntos, não queria deixá-lo partir, porque afinal era o meu avô Óscar.

Passámos a manhã juntos, ele ainda me sorriu, piscou o olho e disse que gostava de mim. Disse-lhe que o amava, que estava tudo bem e que íamos sempre cuidar uns dos outros. Fiz-lhe festinhas na careca, porque sabia que o amanhã podia mesmo não existir e queria aproveitar cada segundo.

Senti um misto de tristeza profunda e gratidão, por estar ali naquele momento, naqueles minutos que podiam ser os últimos. Prometi-lhe que, independentemente do desfecho, ia ficar tudo bem. Pedi-lhe que nunca se esquecesse de mim.

Despedi-me do meu avô Óscar. Despedi-me em vida, com a sensação de que era uma despedida para sempre. Despedi-me, como sempre, com um “porta-te bem”, ele sorriu-me.

Na quarta-feira de manhã recebemos a derradeira chamada de que o meu avô tinha morrido há cerca de uma hora. Dou por mim a agradecer o facto de me ter despedido dele e a não saber lidar com o “para sempre” que ecoava na minha cabeça.

Os dias seguintes não foram fáceis, talvez os próximos não serão também. Quis que levasse consigo um girassol, porque sei que foi atrás do sol, que estava há muito tempo a viver numa nuvem cinzenta e precisava de cor e brilho.

As mortes e despedidas fazem-nos (quase) sempre pensar no que podíamos ter feito ou dito diferente, que devíamos ter aproveitado mais, que devíamos ter ligado e abraçado mais, que devíamos ter passeado mais e passado mais tempo juntos.

Dizem-nos sempre que é quando perdemos alguém que percebemos o que podíamos ter feito diferente. Sabemos disto desde sempre, ainda assim parece haver uma constante esperança de que “os nossos” sejam eternos, mas como em tudo na vida “não acontece só aos outros”.

Questiono-me se haverá um dia em que não precisemos de passar por situações difíceis para termos a real noção de que tudo na vida é efémero, e que a vida é feita do presente e do agora.

A ti avô Óscar, obrigada.

Nota sobre a autora: 

O meu nome é Rita Silva, sou formada em Psicologia das Organizações e trabalho em Recursos Humanos. Escrever é um dos meus hobbies preferidos, principalmente para e sobre pessoas que me são próximas. Faço 30 anos em breve e tinha decidido que ia publicar um texto a assinalar a data. Sempre gostei do “Elefante de Papel”, quis “a vida” que perdesse o meu avô a poucos dias do meu aniversário, e que o meu primeiro texto publicado fosse sobre ele, numa plataforma cujo o nome é em homenagem a outro avô.

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3 comentários em “O sol foi por ali

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