O roubo de Deus

Trazia o céu rasgos de luz. Uma claridade – que não combinava com a morte, com o vazio, com o adeus – rompia a noite, o escuro e tanto mais. Ia nascer o sol. Como ousa ele nascer quando morreu oamor! Ia o dia clarear o corpo morto, o rosto pálido. Ia o dia dar conta que passou a noite e Esaú não semoveu.

Baloiçava Olinda o corpo jazido em seus braços fartos de um amor que Esaú não mais sentia. “Ainda tens frio meu amor, ainda tens frio.” Fragmentos de entranhas suas desfizeram-se, em lágrimas. Come amorte mais que o defunto, mais que a vida. Come as entranhas de quem ama, que as choram,fragmentadas.

Ia nascer o sol. Para quê se não mais Esaú o veria?

O “não” arrastado, até o fôlego o matar, que gritou Olinda ao sol, à morte e a Deus, valeram-lhe tanto quanto sua vida de preces. Ia nascer o sol. Iam vir as gentes romper o silêncio, tirar-lhe o amor dos braços,ver-lhe o rosto pálido. Como ousavam elas vir? Como ousavam elas levantar-se se não mais se vai levantar o amor!

“Não, não, nãooooo!” Separou-se hoje de Deus.

Ajeitou o casaco, com que o tapara, para não lhe arrefecerem os braços, já mais frios que a neve. “Deves ter frio meu amor, anda cá meu amor, para não ficares doente. Para não ficares doente… meu amor”, embalando o corpo frio na enganosa tentativa de o aquecer, de o trazer de volta. Pudesse ele seraquecido… haverá de tentar sempre uma mãe. Desfeita em gritos, de um coração espezinhado por umgigante, chorou como chora uma mãe o corpo frio de seu menino.

E era só ela e o silêncio da morte. Deus já não estava. Hoje, separaram-se.

 

Nota sobre o autor

Nicolau Benjamim, pseudónimo de Gabriela Pacheco.

Gabriela tem 29 anos e é Gestora de Formação.

Nicolau é outra coisa, a melhor: é sonho, é palavras… na pele, na alma e no corpo. Escreve por inevitabilidade.

Escreve aqui:

@benjamimnicolau @gabriela_._pacheco

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