O regresso à escola

Se no primeiro dia de escola em que os nossos filhos vão à escola chorarmos o dia inteiro, podemos desculpar-nos com as hormonas da gravidez, porque ainda só passaram 5 meses, ou com os efeitos da epidural e da maternidade toda, que nos amolecem, nos enfraquecem, nos tornam vulneráveis para sempre. E normalmente são só umas horas, daquilo a que chamam habituação e que, sabemos mais tarde, se destinam muito mais aos pais que às crianças. Mas se chorarmos temos desculpa, porque não há consolo que chegue para nos obrigarem à bruta a confiar os nossos filhos a uma pessoa que nunca vimos em parte nenhuma. É lícito que choremos porque, no mínimo, é desumano.

E depois, porque estamos envoltos naquela aura da recente da maternidade, em que vemos o mundo inteiro em câmara lenta, com músicas inspiradoras, e com dúvidas plenas sobre o sentido da nossa existência, parece-nos tudo absurdo: “O quê? Eu que devia educar o meu filho, abandono-o à sua sorte, para regressar a um trabalho, onde passarei mais tempo do que com ele, a ganhar dinheiro para pagar uma escola em que pessoas que não conheço farão o trabalho que devia ser meu?!?”…

Seja como for, se no primeiro dia de escola deles, depois de os deixarmos, com uma roupa confortável mas gira, já que no resto do ano vamos passar a escolher as piores para pouparmos as boas para os dias que estão connosco, depois de os beijarmos e sorrirmos mentido com todos os dentes que temos na boca, como se aquele dia fosse normal e lhes dizermos que eles se vão divertir imenso e nós também, por os vermos crescer, se fizermos aquele ar calmo, sereno e feliz, que esconde o esforço que andámos a fazer para pagar as renovações de matrículas, as listas de material e o cansaço das noites em que não dormimos a pensar se eles iam gostar da escola, se tomámos a decisão correta, se eles vão fazer amigos, se vão ser aceites, se eles vão mesmo ser mais felizes do que quando estão connosco, se depois disso tudo chorarmos o dia inteiro, é o mínimo que pode acontecer para a brutalidade que é entregá-los a alguém que os vai ver crescer, e que não gosta deles como nós gostamos. 

Mas a escola faz bem. Faz. Eles até crescem e aprendem a fazer coisas que nunca fariam em casa. Talvez. E desenvolvem competências de sociabilização. É possível. E são tão giros que até podem vir a ser os preferidos das professoras. Pouco provável. E um dia em vez de correrem para os nossos braços vão pedir-nos para os irmos buscar mais tarde. Vão. 

E aí, vamos passar o dia inteiro a chorar, porque afinal eles cresceram mesmo, e não fomos nós quem lá esteve todos os dias das nove às seis da tarde, e aquilo que achámos impossível às tantas foi possível: eles são mesmo felizes sem nós. 

Mas há certezas que nunca mudam: tenham os anos que tiverem, ali estão eles de mochilas novas às costas e roupa e sapatos novos porque os do verão já lhes estavam apertados, e ali estamos nós de coração pequeno, porque mesmo que eles já regressem à escola expectantes e felizes, não há ninguém que goste deles como nós gostamos, e ninguém que cuide deles como nós cuidamos. 

E se a escola é boa. Deve ser. Para quê? Para nós fazer crer, a nós pais, que tenham a idade que tiverem, não há nada melhor de que o final do dia barulhento, em que regressam a casa cheios de coisas para dizer. Mas não deixa de ser desumano vê-los crescer, e saber que é na escola que deixam de precisar de nós. Podia ser em casa, connosco, mas não. É lá longe… talvez para doer menos. Mas não dói. 

 

Nota sobre a autora

Rita Dias Ferreira

40 anos 

Técnica de comunicação 

Escrevo desde que me lembro para os outros, porque faz tudo mais sentido quando é para os outros. E mais ainda quando os outros me dizem que podiam ter sido eles a escreverem o que eu escrevi. Só faz sentido escrever quando há quem nos queira ler. 

E-mail.

 
Partilhe nas Redes Sociais
FacebookTwitterPinterest

Deixe uma resposta

* Campos obrigatórios