O fogo que arde e se entranha!

São 4 da manhã, levantei-me para fechar as janelas, que o quente setembro obrigava a abrir. Não que estivesse fresco em demasia, mas sim porque o cheiro a fumo faz cocegas na garganta e aperta a alma. Não, não vejo labaredas à minha volta. Mas sei que o inferno rodeia alguém. Isso deixa-me pequena.

A roupa de dormir cola-se no corpo e condiciona os movimentos, as lágrimas rolam.

O cheiro a fumo faz ecoar o choro e os gritos de quem se sente impotente, pequeno e com raiva! Raiva da pequenez de tudo e todos. Faltam sempre meios, falta sempre o milagre de última hora.

Os porquês sem resposta que nos sufocam. Não foi comigo nem foi com os meus, mas foi com o meu interior. Eu sei do esforço que aqui se faz para edificar. Cada pedra sobreposta tem a marca dos calos das mãos cansadas que resistem e fazem a obra aparecer. Cada carreiro tem as memórias dos pastores que cantam ao desafio com os pássaros. Cada palmo cultivado tem o suor, que a testa teima em jorrar. Cada semente lançada à terra cumpre o ritual das luas, das mezinhas de outros tempos, e também dos novos tempos. Tudo germina com a força de quem as lança. Cada colheita é celebrada com os pés descalços sobre a terra quente de agosto ao som do bailarico.

A determinação é o lema.

Porém, perde-se perante a gula de fogo que lambe e lambuza cada centímetro por onde passa!

As estradas de sempre ladeadas de um negro aflitivo. Queima-se o asfalto e queima-se o coração. O verde que acompanhou etapas da vida sumiu-se, deu lugar a um cinzento cor de morte. Esmorece a determinação, o corpo fica entorpecido.

Não se pode dizer que o dia tenha amanhecido! Não havia o sol resplandecente, havia a névoa, não aquela matinal refrescante. A outra que emunda o céu e a terra. A terra queima, o céu fechou-se, pintou-se de negro e derrama as fuligens que nos cobrem os carros, os telhados, os terraços e a pele. Deixa o incomodo, deixa a tristeza, leva a alegria, leva o verde, leva a vida!

Os olhares cruzam-se com bom dia mais triste de sempre. Não se perde o ritual do cumprimento, não se perde o gosto pela terra. A determinação vai voltar. As sementes vão ser lançadas, o suor vai voltar a correr pelo rosto cansado e vai beijar o sorriso de quem colocou o canteiro a verdejar. As pedras vão beijar os calos e sobrepor-se para erguer o abrigo das chuvas, aquelas que faltaram quando mais se pediram.

 

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

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