O dourado do fruto mais negro do mundo

A manhã estava gelada, as ervas estavam cobertas com o delicado véu branco que a noite lhes entregara. O sol, de forma desavergonhada, ia estendendo os seus raios e levantava o véu. Deixava-as furiosas, sentiam-se desnudadas, face à ousadia do sol que as abandonava à noite e voltava com a exuberância de um rei, expondo-as logo pela manhã!

No gelo da manhã e sobre a coberta do véu mais delicado do mundo, atiravam-se lá do alto o fruto mais negro da Humanidade. Queriam o destaque sobre o véu e o refúgio aconchegante antes da tormenta que estava para chegar.

As ervas que brotavam de forma graciosa, findo um verão sufocante que as estilhaçava, barafustavam. Não queriam a azafama que já adivinhavam. Era a época de elas verdejarem sem que fossem retiradas dos campos para dar lugar às culturas de época. Sem sucesso, os plocs, plocs bem negros estavam a invadir os campos. Não tardaria a serem cobertas por véus bem densos e sufocantes, não tardariam a ser calcadas para extrair o fruto mais negro do mundo.

De lá de cima as azeitonas, fragilizadas depois de um verão quente e longo, já sem forças para um inverno rigoroso, atiravam-se para o colchão gelado das ervas, para logo de seguida serem apanhadas pelas mãos geladas e trémulas que as depositavam no balde. As que perduravam de forma resistente lá bem no alto, não ficaram muito mais tempo. Seriam varejadas com a força de quem ama e as arranca de um ciclo que já não lhes pertence, para as entregar a um novo ciclo.

Os toldos cobrem os terrenos e ladeiam as árvores, as varas erguem-se à altura máxima, o toque começa de forma certeira, há que respeitar a árvore. À volta dos toldos os mais pequenos, com as mãos engatinhadas cumprem a ordem de apanhar as azeitonas indisciplinadas que caíram fora. A indicação é apanhar todas, mas muitas são calcadas para se encobrirem com as ervas, as mãos estão demasiado geladas para cumprir indicações.

Depois dos toldos, dançam ao toque da máquina que as ergue, deixando-as sem qualquer vestígio da sua casa. Não entram folhas nem galhos. Têm de estar límpidas para desfilarem no corredor que as espreme e as transforma em ouro líquido, bem dourado e que tem a nobreza de aquecer a noite de natal. A mesa mais bonita do ano só fica completa quando desliza sobre os pratos o fio dourado mais elegante do ano.

 

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

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