O declínio do aperto de mão

Na minha primeira década de vida visitava muito, nas férias, a casa dos meus avós maternos. O meu avô era carpinteiro. Lembro-me bem de o ver sair de manhazinha cedo com uma grande mala repleta de ferramentas próprias da arte. Diga-se que trabalho não lhe faltava. Houve um período em que trabalhava por conta própria, ocupando-se basicamente nos muitos pequenos consertos ao domicílio. De vez em quando, lá aparecia uma ou outra obra de maior tamanho. Quando isso acontecia, era sinónimo de alegria pois iria entrar-lhes em casa um dinheirinho extra. Lembro-me bem de ouvir a minha avó perguntar ao meu avô: “vais mesmo trabalhar em casa do senhor fulano de tal?” (pessoa importante da terra). O meu avô respondia afirmativamente: “vou sim, já lhe apertei a mão!”

Não mais esqueci estas palavras e o significado nelas implícito. Sem papel escrito, sem contrato ou termo de responsabilidade. Os dias consecutivos, os meses de trabalho árduo que se iniciavam em casa de gente tão importante, tinham um forte suporte – sei bem como era! Um aperto de mão vigoroso e firme, com contacto visual, com apenas dois ou três balanços e não mais de três segundos.

Infelizmente, a degradação da qualidade deste gesto social é assustadora. A quantidade é muita, a qualidade pouca. No que toca às relações comerciais, o aperto de mão sinónimo de garantia, pacto ou acordo típico de pessoas equilibradas, dado sem complexos e que antes significava, sem qualquer tipo de dúvida, negócio fechado, transformou-se no aperto de mão duvidoso, mole, suado e pegajoso e que, afastados problemas clínicos, estará associado a grande dependência de terceiros, dos mercados e de um mundo onde, se não acompanhado de um papel escrito, se resume a nada. O aperto de mão com papeis, como se fosse uma alínea de um contrato, mais uma.

A forte implementação das novas tecnologias, dos novos meios de comunicação, mas sobretudo com a legalização das corridas dos “sete cães a um osso” transformou aquilo que era a melhor síntese de um abraço – o aperto de mão, pois claro – num gesto meramente rotineiro e comodista.

Felizmente, vejo e sinto ainda, na família e nos amigos, apertos de mão autênticos, seguidos muita vez por um abraço forte. Nas empresas, hoje em dia, o aperto de mão não chega para manter parcerias. Não chega para manter colaboradores, clientes ou fornecedores. Uma relação comercial acaba tão rapidamente quanto o aparecimento de um concorrente com novas formas de aperto de mão: o aperto de mão cláusula ou o aperto de mão preço, por exemplo.

Acho que não correrei grande risco se disser que estamos perante um fenómeno absolutamente extraordinário: O aperto de mão sem aperto e…sem mão!

Continuo, no entanto, a acreditar fortemente no aperto de mão tradicional, sozinho e suficiente (com um abraço, talvez), como um bem duradouro em que vale a pena investir para um retorno de sucesso e de satisfação pessoal.

 

Nota sobre o autor

José Rodrigues. De Viseu, com 49 anos, é Autor dos romances “O tempo nos teus olhos”, “Voltar a Ti” e “O rio de Esmeralda”.

Com formação superior na Área da Gestão e carreira como consultor e formador. Sócio fundador da Visar, onde desenvolve toda a sua atividade profissional. A família e os amigos, o karaté, a natação e o futebol veterano complementam o enorme gosto pela escrita.

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