Naufrágio

Não nos aproveitaste.

Havia um aguaceiro nos meus dias, um desconforto triste.

E eu amei-te.

Havia uma sensação de casa vazia, a minha. Importou-te pouco, quando cheia não a aproveitaste ao ponto de fazer soar qualquer alarme ao vazar.

Eu era já todo um folclore engolido pela marcha fúnebre que se assomou.

Quer-se lenta a marcha, já te ocorreu?

As pernas deixaram de correr a casa que de pequena empolou num gigante. A distância entre as paredes dependerá sempre do tamanho dos passos que empreendermos, não crês?

A minha leveza naufragou. Nunca tiveste habilidades de nadador.

Não nos aproveitaste.

Havia em mim uma capacidade voraz de colorir os dias, de os gargalhar e de os chorar.

Não os aproveitaste!

Secaram as aguarelas, não notaste.

Desperdiçaste a alucinação de trocas fervorosas de palavras em forma de labaredas. Passar nesta vida sem discussão que valha a pena é quase que como nem ter vivido.

Não digladiamos, um desperdício.

Queria boleros a meio do dia e mar adentro em todos eles.

Não aproveitaste.

Podias ter ritmado o corpo e conhecido os peixes, vês agora?

Uma gaiola, a dada altura. Adjetivaste-me, a louca.

E eu morri na forma como nos conhecia. Um abandono escancarado.

Libertarei todos os homens que a vida me entregar, antes de os ter, se me ocorrer que alguém sentirá, ao lado meu, disto. Liberto-os já!

E dos homens que a vida me entregar, renunciarei aos que não forem recolectores ao lado meu.

Há loucuras que são lucidez. Se choras a ausência de maresia dou-te os olhos meus para que a vejas. Assim deve ser. Se não for, não é nada.

Não me deste os teus.

Faltou-te dançar no meu bordel, terias feito mais que amor.

Segredo-te: os lençóis ensopados dão um desconforto mais vivo que a comodidade dos secos e mortos.

Devias ter-me pegado no pulso para medir a vida.

Remendei-me tanto quanto pude e não aproveitaste.

Faltou que me dissesses que o sol tinha concorrência enquanto estávamos debaixo dele.

E tanto tempo debaixo dele estive que me escaldou mais que tu.

Fizemo-nos amantes e, de cada vez que se pôs numa sarda minha, salvou-me.

Nota sobre a autora: 

Gabriela Pacheco, nascida em 1990.  Autora Literária, Gestora de Desenvolvimento e Formação com Certificação Internacional em Practitioner PNL – Programação Neurolinguística. 

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1 comentário em “Naufrágio

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