Franzino

Estás triste. Eu bem que te oferecia os meus braços, para um abraço de perder o fôlego, não estivessem eles longe de ser másculos e fortes. Sou franzino, uma magreza quase cadáver que alinha bem com uns suspensórios e umas calças de flanela. Não tenho grande aptidão física nem bravura cinematográfica, dessas de fazer suspirar as donzelas. As donzelas, forças da natureza que se encolhem para caber num saco que lhes costuraram há milhares de anos. Ainda assim, suspiram. Creio-me incapaz de arrancar disso a uma mulher. Os franzinos farão alguém desmaiar de amor? Tenho umas mãos compridas, culpa em parte dos dedos longos, tão longos, ramagens de arvoredo. É melhor que te vá contando destas particularidades, sinto-te deveras entusiasmada com o poder da fantasia que, por estas estéticas questões, não podemos fazer descer ao carnal. Não te ocorreu nunca que, homem viril que se prezasse, tinha já as rédeas de um belo espécime de equídeo nas mãos em vez de estar deitando tinta num papel?

Nesta inestética condição física nem sirvo para me encarregar da limpeza do estábulo. Não te perguntarei pelo teu físico, que indelicadeza seria esta! Tendes algum sonho? Gostos, particularidades, falai-me do que bem entendas. Os meus olhos são os meus ouvidos, cá estou.

Que a tua face sinta um beijo terno.

Ela correu para acudir à chegada da carta. O carteiro deixava de o ser, por se sentir um anjo anunciante de boas novas. Por momentos, Gabriel. São estas coisas que alimentam os ofícios, a sensação de utilidade. Da diferença que faz a gente na vida dos demais. É bom que de quando em vez corram destas moças belas assim que chega, que o comum é ser a canzoada malina. Fizeram ambos o dia um do outro.

Andavam, o franzino e a donzela, há meses nesta troca de correspondência. Nunca se viram e deu-se a troca por descuido. Um carteiro aprendiz que se enganou na entrega, um desconhecido que usou da morada do remetente para desabafos de outra ordem e um remetente que deu a esta ousadia seguimento. Os inícios seguem quase todos esta ordem: um descuido, um sentido de oportunidade, a coragem e a pessoa sem medo dela.

O franzino demorava dias com sabor a infinito para lhe dar resposta. Dava-lhe algum desgosto sentir esta falta de urgência do outro lado. Percebia, a moça, cada vez mais, que as lutas internas lhe ocupavam demasiado tempo. Esta sensação de inutilidade que revelava ter perante a sua tristeza, como se não tivesse braços suficientemente dignos para a abraçar, suficientemente fortes, tirou-lhe o ar. A sua tristeza revestiu-se de outra cobertura, era agora pelas sensações dele. Escrever-lhe-ia que são precisos braços ágeis para escrever sobre assuntos que não ocorrem nos planos vulgares, que não vê beleza maior que dedos que se assemelhem a natureza. Dir-lhe-á que a flanela é macia e que cavaleiro esguio faz cavalo ágil, que existe uma bravura avassaladora imbuída no escrever e que o amor ignora particularidades secundárias.

Dir-lhe-á que redigiu a carta de resposta à pressa, para que não ficasse a meio, por conta do desmaio que espreita.

Nota sobre a autora:

Gabriela Pacheco, nascida em 1990.  Autora Literária, Gestora de Desenvolvimento e Formação com Certificação Internacional em Practitioner PNL – Programação Neurolinguística. 

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