Estrela Michelin: o Chef que descobriu a cozinha a fazer sopas para os avós  

 

Chama-se VISTA por razões óbvias. O restaurante convida-nos ao mar e o mergulho é realmente divino. E este poderia ser mais um texto sobre um incrível restaurante em Portugal e sua deliciosa ementa mas a minha experiência no Vista foi muito para além dos sentidos. Aquilo que vou guardar na memória para além do que a boca provou – sublime – são as pessoas que se atravessaram na minha mesa, sem nunca se imporem, chegando com o brio ao serviço a prestar e tornando-se na parte mais bonita de uma refeição memorável e de partilha de intimidade. O Tiago, a Maria, o João.

Tiago, o chefe de sala! Pensou em detalhe nos vinhos magníficos que nos serviu durante todo o jantar. Simpático e discreto, tão feliz a fazer o que sabe melhor, o Tiago, em cada vinho que me serviu, levou-me pela mão numa viagem por vinhas e processos de produção, juntando o saber técnico à história. Dei por mim de olhos esbugalhados, sempre maravilhada, a beber (literalmente) tudo o que o Tiago me contava.

Liderada pelo Chefe João Oliveira – que passou pelos mais premiados restaurantes – Restaurante Largo do Paço, o Yeatman e o Restaurante Vila Joya – a cozinha apresenta-se criativa e sofisticada. A ementa é inspirada na cozinha nacional e mediterrânica, respeitando os sabores originais e a frescura dos ingredientes.

Cada vez que um prato chega à mesa, estamos perante um momento de celebração de todos os nossos sentidos: a visão é a primeira a banquetear-se  – a apresentação de cada iguaria é espectacular pela sua beleza e simplicidade. Segue-se o olfacto (o mar e as flores de cheiros marcam a sinfonia) e o tacto, pois muito do que o João nos serve é para pegar com a mão e comer. Eu confesso que adoro esse conceito da sofisticação aliado à proximidade física e orgânica dos alimentos ao instinto de tocar e sentir antes de provar.

Assim me explicou tudo a Maria, por quem tive a honra de ser servida no repasto. 25 anos, licenciada em Psicologia, começou a trabalhar em hotelaria em Lisboa mas “ali não conseguia ver as estrelas”. Procurando paz e mais contacto com a Natureza, aceitou o convite do VISTA para o serviço de sala. Fala Inglês, Espanhol e Francês e vai tirar o mestrado em Psicologia das Organizações. A incrível Maria está no seu posto no VISTA com entusiasmo e gosto, mas sabe que o seu destino, como as estrelas que procura, é um céu sem limite. É precisamente à Maria que peço, já no final da refeição inesquecível, para me apresentar o Chef João Oliveira – que chega tímido mas aceita a cadeira que lhe ofereço e senta-se a conversar.

Falo-lhe do Elefante de Papel e da Memória, palavra-chave do projecto. Pergunto-lhe qual a primeira memória que tem enquanto cozinheiro (ou Chef para os mais chiques). E então o João que nasceu em Valongo, numa família cheia de amor mas com poucas possibilidades financeiras conta-me que começou a cozinhar aos 13 anos para os avós que estavam acamados. Recostei-me na cadeira tentando fazer o menor ruído possível para não interromper aquilo que viria a ser uma partilha afectiva única.

Conta-me, então, o Chef João, que a Mãe sempre trabalhou muito. Quando o João tinha 13 anos, a avó que dele cuidava adoece gravemente com Diabetes e o João passa a cuidar da avó que precisava de uma dieta especial que a ajudasse a apaziguar os efeitos da doença. Adolescente, nada sabia de cozinha, mas o amor pela avó leva-o a começar a fazer sopas para ela, experimentado ingredientes, misturando sabores, equilibrando os nutrientes de forma a que a sua adorada avó melhorasse. A avó não só melhorou como adorou as sopas do neto e essa primeira validação, essa primeira sensação de alegria por agradar a quem se ama foi o que o fez, mais tarde, procurar a escola de hotelaria e formar-se, sendo hoje um Chef conceituado e distinguido com uma Estrela Michelin.

O João cozinhou para a avó e depois para o avô. Ambos ficaram acamados durante alguns anos com o neto sempre no fogão aprimorando as sopas e à cabeceira, vigilante. E a Mãe trabalhando para conseguir pagar as contas e manter a casa.

Confesso que, por esta altura do relato, dei um golo no tinto para disfarçar o nó na garganta e conseguir fazer uma pergunta que, por alguma razão, não me largava e cuja resposta pressenti ser chave da experiência gastronómica que ele me proporcionara:

“A tua mãe viu-te, Chef João? Ela viu-te chegar ao lugar onde estás?”. O João olhou-me nos olhos por uns segundos e balbuciou apenas: “Não”.

Ficámos os dois em silêncio a controlar a emoção do momento mas também não era preciso dizer absolutamente mais nada. O João tinha-me servido as suas melhores memórias em cada prato com que me surpreendeu. Estava lá tudo: os avós, a mãe, uma infância diferente, um amor eterno.

Limitei-me a agradecer-lhe com um abraço a honra de tão inesquecível experiência.

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