Estar triste é humano

“Somos o que não contamos a ninguém”, escreveu Fiódor Dostoiévski. Houve sempre um temor oceânico em abrir os meus fantasmas, porque muitos poderão assustar-se e fugir de mim, e deixarão de me ver como o sorriso que conquista o mundo, e os inspira diariamente pela minha presença e o que vou partilhando. Sempre vivi na vulnerabilidade da transparência honesta, mas as pessoas não saberem ou compreenderem que também eu tenho dias azedos, lugares escuros e que não me apetece sorrir, fere, fere como o vazio. Choro para dentro e critico-me várias vezes, bato-me com palavras duras, desacredito no meu caminho e potencial, recuo de infinitas ideias, não quero falar, escondo-me das pessoas, sofro ataques de pânico e ansiedade, e recolho-me no silêncio travando a sós as recaídas da depressão. A verdade é que não são só dias bonitos e sorrisos rasgados, e ainda estou a aprender que não se podem ganhar todos os dias com o mesmo sabor. A dor é preciso ser aceite porque faz parte do crescimento diário da vida, faz parte de nós, desse ser arco íris cheio de espaços por preencher. Agora que sabem, perceberão que não estarei sempre apta para essa grande responsabilidade de sorrir, inspirar e estar presente. Fartei-me de me demorar nesta mentira do “- Está tudo bem? – Tudo bem, tem que ser, não é?” -, Não, não tem que ser, por mais que isso seja menos aceite pela sociedade, chorar, cair, falhar é humano, e todos temos o direito de nos sentirmos tristes, e precisarmos do nosso tempo sem julgamentos ou vergonha. Há um universo imenso dentro de todos nós onde estamos em contínua metamorfose, e é necessário e válido ser todos esses planetas. Ser azul, não invalida os meus instantes de inspiração, sorrisos e felicidade, todos eles também estão presentes em mim, assim como todos os outros azuis. Estou cansada de padrões lisos, de linhas retas, de visões direitas, e no verdadeiro ser humano, na pessoa real não há poiso para a perfeição e a felicidade constante e obrigatória, mas sim para a história que cai para fora e se assume. Somos todos uma verdade com infinitos tons. Dias azuis, tristes, incapazes, sem vontade de existir, tenho-os muitas vezes. Sou Humano.

Nota sobre a autora: 

O meu nome é Filipa Pina. Sou aprendiz de Humano, nasci no campo, tenho 25 outonos, e formei-me como atriz. O caminho tem sido duro, solitário e longo. Sou curiosa, apaixonada e sonhadora romântica. Emigrei, trabalhei em inúmeros setores fora das artes, chorei e questionei muito o universo sobre o porquê de não conseguir um palco, e na falta de respostas comecei a desenvolver o meu caminho espiritual. Liberto-me no yoga, na corrida e no silêncio. Sou apaixonada por cinema, danço com a alma no regaço e perco-me horas nos livros que me chegam às mãos. Escrevo porque não me sei explicar de outra forma, foi a vida que me ensinou a escrever, foi a vida que me pediu que escrevesse. As palavras tornaram-se a minha casa, é na arte que sou inteiramente eu. Estou desde março a trabalhar numa caixa de supermercado, e em paralelo, a viver uma vida dupla, enquanto escrevo o meu primeiro romance. Sou da família dos pássaros sem gaiola, e dia 6 de setembro, parto novamente para o UK, com uma fúria destemida de abraçar o meu sonho, para que ele não esmoreça ou morra. A arte salva-me todos os dias, a vida por si só não me chega, preciso de poesia, do riso, da dor. Não tenho tempo para morrer. “For an artist, to be normal is a disaster.” – J.Mekas.

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1 comentário em “Estar triste é humano

  1. Este belíssimo texto poderia ter sido escrito por mim… revi-me totalmente nas palavras da Filipa… e também eu “despejo” num velho caderno as minhas angústias, medos e ansiedades.
    Sempre que me sinto a perder o controlo, a não conseguir ver todas as coisas boas que tenho, escrevo,escrevo, escrevo até sentir a alma limpa e o coração a bater no compaso certo.
    Obrigada pela partilha, Filipa!
    Desejo-lhe tudo de bom nessa aventura pelo UK e que consiga alcançar o que sonha!
    Obrigada, querida Rita, por nos trazer testemunhos inspiradores e parabéns pelo seu trabalho!

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