Esta é a minha luta: Podes roubar-me o cabelo mas não me roubas o sorriso

Passados uns meses, iniciei os tratamentos. Primeiro a radioterapia. Aquela máquina sugadora da tua energia – acho que é a melhor descrição que encontro. Os cheiros das máquinas, a máscara claustrofóbica, os sons ritmados dos aparelhos, estão-me gravados na memória. Seguiu-se a quimioterapia. O cabelo começou a cair disparatadamente ainda durante a radioterapia. Quis antecipar-me. Não lhe ia dar esse gosto. Seria eu a cortar o cabelo e não o “merdas” a tirar-mo. Ainda adiei por duas vezes. Sabia que ia doer. Chorei nos dias anteriores mas no dia e no momento não. Estava pronta. Andava preocupada com a reacção do Tomás. Não queria que ele tivesse vergonha da mãe ou se sentisse constrangido. Expliquei-lhe o que ia acontecer e o porquê. A preocupação dele era só uma, que não gozassem comigo na rua e, no alto dos seus 8 anos disse-me “Mãe, não tens de ter vergonha. Vergonha deve ter quem rouba e tu só estás doente. E vai passar”. O meu menino, sempre tão generoso.

Estávamos todos em casa da minha mãe, os miúdos andavam a brincar e a minha irmã fez-me esse favor. Nunca lhe agradeci pela sua coragem. Sei que lhe custou mas não falámos sobre isso. Não era preciso. Num silêncio nosso, só o som da máquina e os cabelos iam caindo. Estava feito. Agora era seguir e enfrentar o mundo. Foi o que fiz. De cabeça levantada. Neste momento já se passou um ano desde o início desta caminhada. Alguns percalços, todos superados. Consciente de que o caminho ainda não terminou mas confiante como no primeiro dia. 

Durante muito tempo este assunto foi privado. Era reservado à família, amigos e colegas mais próximos porque não queria (nem quero) que me confundam com a doença. Eu nunca me senti verdadeiramente doente. Não me resumo a isso. Esta doença é parte da minha vida e tem moldado a minha forma de viver e pensar mas eu sou mais. Como todos nós. Ninguém é só uma coisa. E acredito verdadeiramente que no dia em que eu me resumir a isto, já não faz sentido continuar. Sem mágoas. A partir deste dia, a minha imagem abriu para o mundo o que se passava. Já não era tempo de esconder. Era tempo de viver mais ainda.


(continua)
Irina.

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6 comentários em “Esta é a minha luta: Podes roubar-me o cabelo mas não me roubas o sorriso

  1. Uma guerreira de sorrisos doce! Uma Elfa ?, o cabelo em nada alterou a tua beleza, até realçou os teus olhos azuis. Tens sempre um sorriso e dás atenção a todos. Podias ter ficado egocêntrica, mas continuas a espalhar generosidade.
    Escreves com o coração e tocas-nós na alma! Tanta emoção é gerada em cada palavra. Adoro a tua forma de escrever. És uma vencedora ?

  2. Esta história, Irina,que eu tenho seguido, pela forma como a descreve, é de uma delicadeza nas palavras que nos toca pela generosidade com que as escolhe, para se revelar ao mundo. Esta doença refinou-lhe os sentimentos, na certa, mas a escrita já estava dentro de si e estes textos são de uma intimidade desmedida, mas carregados de generosidade. Grata por os partilhar connosco <3

  3. Revi-me em cada palavra. Por cá já faz 3 anos e felizmente para já estou a ganhar mas nunca se sabe. Vivo um dia de cada vez. Não rapei o cabelo pois com a radio só caiu uma parte e o resto tapava. Não tenho um filho assim protetor mas tenho uma princesa que teve que vir ao mundo mais cedo para a mãe poder combater o “bicho mau” como sempre lhe chamei. Tb escondi de quase todos… Por isso fui crucificada por algumas pessoas…. Mas o mais importante é que continuamos cá a lutar e nem pensar que o “bicho mau” me vai ganhar sem luta e o sorriso cá estara na maioria dos dias pois há outros que sair da cama ainda custa, as dores são muitas….

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