Esta é a minha luta: “Nunca mais vais ser a mesma”

O Saberes que tens, literalmente, a cabeça a prémio faz-te perspectivar muita coisa. Não sei se é disso ou dos trintas e das maravilhas que ele faz contigo, que passas a valorizar o simples. O nascer do sol, o pôr do sol, os mergulhos, a gargalhada do teu filho, a voz dos teus pais, os beijos, os abraços, um simples copo de vinho, os jantares de família, os convívios com amigos…percebes que o que sentes mais saudades é do mais simples. Olhas para trás e são esses momentos que ficam. Fica-te a consciência da urgência em construir o máximo dessas memórias nos TEUS. Porque eles um dia podem vir a precisar delas para continuarem o seu caminho sem ti.

Todos os anos lá se seguia o ritual da RM. Durante uns cinco anos esteve mais ou menos estável. Em 2015, decidi pedir uma segunda opinião médica. Queria muito voltar a ser mãe mas as opiniões eram contraditórias. Pela primeira vez, foi me proposto ser operada e iniciar tratamento. Achei aquilo descabido. Não queria arriscar ficar refém do meu próprio corpo sem qualquer controlo sobre ele. Enquanto desse ia aguentar. Pus de lado o sonho de ser mãe pela segunda vez. Acho que assumidamente foi a única coisa até hoje que este “merdas” me roubou. Lixou-se porque a vida deu me quatro sobrinhas e dois afilhados maravilhosos, portanto, saldo positivo para mim. Em 2018, chegamos ao fim da linha. Não havia mais margem para esperar. O tumor estava a crescer insidiosamente, sem deixar rasto, como o covarde que é, a minar devagar e a atacar traiçoeiro. Era tempo de intervir sob o risco de depois ser tarde demais. A localização próxima de estruturas vitais ditou a desfecho. Confesso que pensei em não fazer nada e cheguei a falar com o médico sobre isso. Mas quando és mãe, a tua prioridade deixas de ser tu. Eu tinha de fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para continuar a ser a mãe que o meu filho merecia. Falámos da evolução da medicina nos últimos anos e das novas técnicas e tratamentos que havia atualmente. Nessa consulta, foi-me dito que depois da cirurgia, eu nunca mais seria a mesma pessoa. Alertaram-me para as prováveis sequelas motoras, sensitivas e visuais. Essa foi a frase que mais sentido me fez até hoje: “A Irina nunca mais vai ser a mesma”. Tão verdade! Não sou mesmo. Sou uma pessoa muito mais agradecida pela vida que tenho. A essência do ser humano no seu exponente máximo. É preciso estares perante a possibilidade de perder algo para perceberes o quão grandioso ele é. Agradeço todos os dias a bênção de acordar, de ver o meu filho crescer, de andar, de estar com os meus. Há tanto para agradecer. Recordo diariamente a cara de todos os que se têm cruzado comigo neste caminho. Os que estão do meu lado e os que cuidam. Os que deixei de ver.

Saí de lá com a angústia e a ansiedade disfarçadas pela minha aparente serenidade e sorriso (sou boa a fazer isso). Por dentro estava a mil. Tinha em cima o peso da responsabilidade de me aguentar firme. Ia com a minha mãe e inconscientemente quis evitar-lhe mais sofrimento. Não consigo imaginar como seria se algum dia estivesse no seu papel. Não deve haver desespero maior. Não podia vacilar, tinha de ser forte e fazê-los acreditar que ia dar tudo certo.

“O que tem de ser tem muita força”. Vamos a isso. Era preciso marcar. Escolhi a data. 5 de Junho. Dava-me tempo para fazer o que precisava. Conseguia acompanhar o Tomás nos testes que aí vinham e estudar com ele, não o privava das suas atividades desportivas que tão feliz o faziam e festejava, na véspera, o aniversário da minha sobrinha mais velha, o meu primeiro amor pequenino. Precisava de tempo (e de coragem) para preparar o terreno.  Precisava de saber como contar ao meu filho.

Passei dias e horas a pensar em que palavras usar e como o fazer. Imaginei vezes sem conta esse momento. Li sobre o assunto o máximo que consegui. Decidimos que fazia sentido falar com a professora e com o mister dele para estarem a par do que se iria passar e garantir que estariam atentos às reacções dele. Queria ter a certeza de que ele não estaria sozinho. De que seria ajudado, se necessário. Tivemos a conversa uma semana antes. Achei que mais cedo seria angustiá-lo sem razão mas esse tempo também daria para que lhe surgissem as perguntas que ele quisesse e tranquilizá-lo. Falei-lhe com o coração e bastou. De uma forma simples, sem demasiados pormenores. Ele ia perguntando e eu respondendo. Fui vendo a surpresa na cara de cada pessoa a quem contei o que se ia passar.


(continua)

Irina.

 

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