Esta é a minha luta: Despedir-me

Tinha que estar às 7 horas no hospital. A minha mãe e o Ruben iriam comigo. Estava tudo organizado. Na véspera, jantámos em família, como já era habitual. Era dia de festejar. O pensamento do que iria acontecer no dia seguinte pairava (era inevitável) mas o ambiente era o de sempre: os gritos e correrias dos miúdos, as conversas dos adultos e as gargalhadas por motivos que já nem me recordo. Era hora de ir embora, amanhã era dia de escola. A incerteza de quando os voltaria a ver era maior, ou pelo menos estávamos todos mais conscientes que poderia não voltar a acontecer, pelo menos não da forma habitual, porque eu poderia já não ser a Irina que era até ali. Na verdade, penso que não só eu mas todos nós. Recordo-me e sinto até hoje o beijo e o abraço que dei (demos) aos meus irmãos. Foi o abraço de sempre, mas mais prolongado, com lágrimas contidas e a incerteza se se voltaria a repetir. Fomos para casa. Rotinas diárias. Queria a normalidade daquele momento mantida, precisávamos todos disso. Lavar os dentes, chichi e cama. Aqueles minutos de conversa e de mimo entre mãe e filho antes de dormir. Desde que ele começou a falar que temos os dois um ritual diário. Dou-lhe um beijo e pergunto “O que é que nunca te podes esquecer?” e ele responde “que a mãe e o pai me amam”. E eu acrescento “e isso é muito…” e ele completa “importante”. Era o que mais desejava naquele momento, que ele nunca se esquecesse desse amor, que o guiasse e acompanhasse pela vida fora. Nunca fez tanto sentido esta nossa melodia. Ele adormeceu, entre beijos e carinhos. Tranquilo e seguro, como eu desejava. Passei a noite a olhá-lo (sim, dormiu na nossa cama). Tentei adormecer, sabia que era importante, mas era impossível. Tinha mil ideias a passar-me pela cabeça mas uma dominava. O sentimento de culpa, sem a ter. Eu não tinha o direito de o fazer passar por isto. Não era justo. Ele(s) não merecia(m). Ele precisava ainda muito de mim. E eu dele. Jurei a mim mesma que ia ser forte, o mais possível. Não poderia haver outro desfecho senão correr tudo bem. Foi uma noite tão difícil! A incerteza de os veria novamente era corrosiva. Cruel. Bolas, ele tinha 8 anos. Não podia ser. Tínhamos muito para viver. Às 5h levantei-me e fui-me despachar. A mala já estava feita de véspera. Acrescentei um desenho dele, não fossem as forças me faltar e eu ter que me relembrar dessa promessa. Queria deixar-lhe mais uma mensagem. Sempre tive o hábito de lhe deixar recados. Escrevi no espelho da casa de banho: “Bom dia meu amor. Dentro de uns dias a mãe está de volta. Nunca te esqueças que te amo muito. Porta te bem. Mamã”. Antes de sair, dei-lhe um último beijo na testa. Apetecia-me gritar e chorar até aquele nó desaparecer. Mas não, engoli em seco e fui, decidida.


(continua)

Irina.

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6 comentários em “Esta é a minha luta: Despedir-me

  1. A Nossa Senhora de Fátima estará contigo, independentemente de acreditares ou não, ELA é mãe!!! Pede que ela ajuda, e com o pensamento no teu filhote e naqueles que mais amas, ELA estará ao teu lado, para que tudo corra bem. Força Irina, beijinhos

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