Envelheceste…

Em frente ao espelho tocou na cara, que já não reconhecia. As mãos já não deslizavam na pele, que outrora fora suave e firme. Pelo contrário, arrastam-se nas rugas e nas fendas que a vida lhe tinha cravado.

 O espelho devolvia-lhe um reflexo cruel. O rosto que fora parceiro de tantas batalhas acusava o cansaço de uma guerra que ainda não terminara, mas que agora se arrastava e lhe devorava todos os dias mais um pouco do que sobrara. Podia dizer que era uma carcaça da guerra. Se calhar muitos viam-na como uma carcaça! Era essa a crueldade – de um momento para o outro deixar de ser a guerreira, e passar a ser carcaça.

É duro todos os dias perder um pouco.

Todos os dias escapam por entre os dedos momentos, vivências…Todos os dias há menos uma capacidade. São os dedos que tremem e deixam de ser firmes, tornam-se moles, fugidios, esquivos. É a visão que se torna turva como um dia de névoa, fazendo com que metade do mundo nos passe à frente e não o vejamos.  São as pernas que já não permitem os passos de outrora. As pequenas distâncias parecem ter quilómetros! As pernas não se firmam e fogem do controlo, ficam bambas, dilaceradas como que elástico gasto pelo uso.

É o corpo a sucumbir ao peso das vivências.

Ninguém nos diz que no fim, nos está reservado um espelho cruel para o qual vamos finalmente ter tempo para olhar.

Já não há correrias, já não falta de tempo. Agora há tempo, um tempo que é necessário para as tarefas rotineiras. O simples facto de existir consome as 24 horas. Os espaços dobram de tamanho só para nos fazerem arrastar no tempo e pelo tempo.

Soubesse eu que no fim restaria apenas isto de mim e teria vivido muito mais cada instante. Ter de aprender a abrandar por força de um corpo que sucumbe a cada 24 horas de existência é penoso.

Quem somos nós?

Porque nos está reservado um fim cheio de perdas, um fim onde a cada dia algo se desmorona, a cada dia algo perde força, intensidade, perde vida…

Apetece dar um murro neste espelho, mas os dedos estão demasiado fugidios, para serem bruscos…pelo que sucumbo. Deixo as lágrimas rolarem pelos socalcos da cara. Olho as mãos vívidas de outrora e vejo dois apêndices que não me obedecem, que atrapalham, que enguiçam! O pente cai da mão, fica no chão. É demasiado penoso apanhá-lo. O cabelo fica assim, que hoje já não consigo mais olhar o espelho.

Amanhã pode ser que seja um dia melhor. 

Nota sobre a autora

O meu nome é Inês Pina.

Sou uma marrona que não gosta de estudar, uma preguiçosa trabalhadora e uma fala-barato solitária.

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