Entre tempos

Era uma vez uma Julieta e um Romeu, mas dos tempos de hoje. Conheceram-se nas circunstâncias mais improváveis, ao nível da Wendy não ter conseguido voar com o Peter Pan. De tal forma que ela não me contou logo o que se passava. Percebo. Conheço-a bem, consigo imaginar a força do abanão. Primeiro, com o que aconteceu, depois, com o depois. A imprevisibilidade da vida a pregar-lhe “a” rasteira. A ele imagino-o através dela. Dois semelhantes por dentro, diferentes para fora. Durante anos fizeram de conta que não se viam, cada um no seu caminho. Até que o mundo ficou pequeno para os dois. A vida a rir com os que gostam da ilusão de que tudo controlam.

Racionalismos de parte, ela estava lá, sem máscara. Só ela despida de preconceitos. Coragem em riste, ele apareceu sem armadura também. Só ele e uma curiosidade desmedida, os dois num palco descoberto sem regras de estar, sem convenções, só o momento. Até desconhecidos aplaudiram, contou-me. E o brilho dos olhos, a voz leve… a minha amiga como uma adolescente, ela mesma. Ela que não sabe quem ele é mas que jura a pés juntos que o conhece de sempre. Acredito, sabes que sim, que uma só vida para mim é redutora. Acreditas? Mesmo, reforço. Diz que o soube no momento em que os lábios se tocaram. Diz que o reconheceu de sempre. Ele diz o mesmo, sentiu-o também. Foi tão intenso que não tenho palavras para to descrever. Deixa que eu escrevo-te na mesma, correndo o risco de ser menos que o real.

Invejo-te com amizade, pelo que ultrapassaste para sentir o que quase consegues descrever. Mas não era suposto, percebes-me? Olhando aos cânones tradicionais sim, mas e a conversa de que o amor serve para perder o medo? Para sermos felizes no matter what? Para que valha mais a pena andarmos por cá? Não sei. E ele? Ele também não sabe. Não sabemos lidar com este querer e não poder. Poder e não querer, queres tu dizer, desafio.

 Escuto com atenção. Usam palavras como “errado”, “complicado”, “receio”, mas o que me chega são palavras como “único”, “mágico”, “indescritível”. Devia ser obrigatório lutar. Se faz bem devia bastar. Se aconteceu, se foi real, devia ser respeitado. Mas eu estou de fora, não posso quebrar barreiras por ninguém.

-Permite-me só que te diga uma coisa.

-Diz.

-Ele foi a maneira mais bonita de te reencontrares.

Ela assentiu timidamente.

Nota sobre a autora

Joana Russinho. Nos quase quarenta, ainda não tirei a carta de mota nem saí na capa da exame como tinha planeado, mas mantenho o sorriso fácil, a gargalhada sonora e a crença na humanidade. 1001 defeitos mas uma grande qualidade: a capacidade de me rir (muito) de mim própria.

Escrevo desde que me lembro de o conseguir. porque gosto, muito. aqui sou, serei, eu.

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