Diário de uma Enfermeira quarentona em tempos de pandemia: Parte XIV

Último dia de 2020.

O telefone toca para me dizer que chegou a minha vez.

Fico hesitante apesar de ser um assunto já resolvido na minha cabeça.

No dia de Natal uma das minhas colegas de equipa infetou-se. Estava a fazer a sua primeira noite de Natal e o vírus fez com que caísse às seis horas da manhã – Uma da minhas infetou-se!! Teve todos os sintomas que esta doença traz: febre, tosse, dores no corpo insuportáveis, diarreia e falta de ar. Quando lhe ligava apercebia-me da respiração ofegante e das respostas tardias… Tem vinte e três  anos e não tem nenhuma doença, não toma qualquer medicação.

Foi este o click que precisei para não ter dúvidas acerca da VACINA.

Visto uma camisola larga par ser fácil arregaçá-la no momento da injeção.

O marido apressa-se. Vamos os dois.

E vamos ansiosos. (Nunca foi bom levar com uma agulha no braço, desde criança que é assim), mas esta é diferente: para além de poder imunizar-nos para esta terrível doença que nos assolou desde março vem com extras. Vem carregada de esperança. É esta a palavra certa.

Esperança nos abraços que estão suspensos há não sei quantos meses.

Esperança nos beijos às amigas e nos jantares prolongados de risos e conversas que só as mulheres sabem ter.

Esperança em colocar batom.

Esperança em tirar esta máscara que nos rouba o sorriso de viver e provoca falta de ar se falarmos muito rápido.

É o medo que me move. Há muitos meses.

É o medo de infetar os meus. Principalmente os meus pais que são pessoas com comorbilidades pesadas. Vi pessoas da mesma idade que eles, com menos antecedentes clínicos, a sucumbir e nesses momentos o pensamento ia para eles. Fartei-me de dizer: se o meu pai fica infetado não se safa…

Por isso, olho para esta vacina como a minha colega dizia na TV: como um milagre!

São momentos difíceis que só quem está lá sente. Separações que deixaram marcas no coração. Telefonemas adiados por falta de tempo ou porque, simplesmente, não se quer falar. Adaptações diárias a colegas novos, a espaços novos, a chefias diferentes. Mudanças constantes de serviço: ora hoje ficas a trabalhar no 3º piso, ora amanhã vais trabalhar para o 1º piso. Muita resiliência à mistura e muita consciente de dever cumprido.

Mas o medo não passou.

Está aqui.

Mas numa dose menor.

Nota sobre a autora: 

Chamo-me Joana. Tenho 40 anos e sou muitas coisas… filha, irmã, enfermeira, formadora…mas a mais difícil de todas… sou Mãe, Boadrasta e Mulher. Escrevo para libertar o que me vai cá dentro…

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4 comentários em “Diário de uma Enfermeira quarentona em tempos de pandemia: Parte XIV

  1. Eu estive a ler o texto cada dia que passa fico mais orgulhosa de ti hoje digo ao pai que valeu a pena do sacrifício que fizemos para hoje seres a mulher filha e mãe que és força amo-te muito ❤️?

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