Descobri que a minha filha é celíaca. E agora?

Pois….

Afinal aqueles vómitos matinais e as dores de barriga não eram teatro para não ir para a escola! Quando colocava a fita do fato do ballet acima do umbigo, em vez de a colocar na cintura, era para disfarçar a barriguinha inchada, disse-me ela…

Como foi diagnosticada?

Após ter relatado estes sintomas numa consulta de rotina, a pediatra resolveu pedir análises: os anticorpos para a doença celíaca vieram positivos. A suspeita confirmou-se após endoscopia digestiva alta com biópsia, que mostrou lesões nas paredes do duodeno, compatíveis com esta doença.

Mas afinal, o que é a doença celíaca?

Mal se sabe que se tem uma filha celíaca, começa-se a ler tudo e mais alguma coisa!

A doença celíaca é uma doença auto-imune. Isto significa que a pessoa celíaca quando ingere glúten, a substância que causa a doença, produz anticorpos conta a parede do seu intestino provocando a lesão do seu próprio intestino.

E o que é o glúten? Glúten é o nome dado a um conjunto de proteínas do trigo, da cevada e do centeio que, funcionando quase como uma cola, ajudam a manter unidos os diversos componentes destes cereais. E são sobretudo estes três cereais os responsáveis pela doença celíaca. Embora a aveia não tenha glúten, ela contém uma proteína semelhante ao glúten, que pode ser igualmente lesiva nalguns doentes celíacos. Para além disso, a aveia é semeada nos mesmo campos, processada nas mesmas fábricas e trabalhada com as mesmas máquinas utilizadas para os outros cereais. Daí que a contaminação da aveia com glúten é fácil, tornando-a também um cereal a evitar.

O glúten (ou mesmo apenas vestígios de glúten), quando ingerido por pessoas celíacas, com predisposição genética para tal, provoca uma inflamação crónica que faz com que as vilosidades do intestino delgado deixem de desempenhar a sua função, afetando a absorção de alimentos e a digestão. A capacidade para absorver nutrientes, tais como proteínas, gorduras e hidratos de carbono fica diminuída. Por esta razão, a perda de apetite, perda de peso, subnutrição, diarreias, obstipação, abdómen distendido, vómitos e consequentes sintomas de fadiga e de anemia. Estas reações poderão ser diferentes de pessoa para pessoa, podendo até estar ausentes, como no caso da doença celíaca latente.

Importa também saber que, por ser uma doença auto-imune, os doentes celíacos têm maior probabilidade de ter simultaneamente outras doenças auto-imunes. Daí a necessidade de rastrear periodicamente doença da tiroide e diabetes entre outras.

E agora??


Agora, a pediatra diz que a minha filha tem de adotar e assumir uma dieta isenta de glúten para TODA a vida. Em pouco tempo, o intestino voltará a funcionar normalmente, entre algumas semanas a até alguns meses, mas a Doença Celíaca continua para toda a vida. E isto pressupõe que o celíaco exclua para sempre e totalmente o glúten da sua alimentação diária. Com qualquer descuido, a inflamação no intestino voltará e os sintomas reaparecerão.

O único tratamento eficaz é uma dieta isenta de glúten/vestígios de glúten, sem ter de recorrer a qualquer tipo de medicamentos. Esta dieta, ao contrário do que muitos pensam, não é uma dieta limitadora, mas sim libertadora, restabelece o bem-estar geral, melhorando as capacidades físicas e mentais para voltar a ter qualidade de vida. Ao fim de três meses de a termos instituído, a minha filha já não apresenta o abdómen tão distendido e são raras as vezes em que diz que lhe dói a barriga.

Existem alimentos naturais e seguros sem glúten, tais como, milho, arroz, batatas, carne, peixe, fruta e legumes. Existem, outros, produtos especiais para celíacos, identificados com o símbolo de uma espiga traçada – “isento de glúten” ou “glúten free” – tais como pão massa, bolachas, farinha, doces, refeições pré-cozinhadas, etc.

E os produtos são mais caros?

A indústria alimentar, para garantir que um produto não tem glúten, tem de ter linhas de produção exclusivamente dedicadas a produtos sem glúten. Isto encarece a produção. É ainda importante salientar que existem benefícios para os doentes celíacos, como poderem apresentar no IRS encargos com alimentos sem glúten como despesa de saúde, desde que justificados por relatório médico.

E onde se podem comprar?

Comer produtos sem glúten tornou-se uma moda. Além dos primeiros espaços glúten free, encontrar produtos isentos é uma tarefa muito fácil, sobretudo nos supermercados que hoje têm secções específicas para este tipo de produtos. como Celeiro, Continente, Mercadona e El Corte Inglês.

E quando quisermos ir jantar a um restaurante?

Passamos a ser sócios da Associação Portuguesa de Celíacos, o que nos permite ter acesso a imensa informação e dicas sobre esta doença. Assim, informaram-me que existem espaços seguros para que as pessoas que vivem com este problema possam comer fora de casa sem risco de contaminação. É o projeto Gluten Free, uma parceria da Associação Portuguesa de Celíacos (APC) com a Biotrab, uma empresa que trabalha na área da segurança alimentar, que tem como objetivo certificar locais 100% isentos de glúten em Portugal. Isto permite atribuir um certificado aos estabelecimentos que são glúten free, ou seja, totalmente isentos de glúten. Mesmo que vendam outros produtos, é garantido que ali podem comer pratos sem glúten. Além disso, também é garantido que ao longo do processo de tratamento desses ingredientes – confeção, manipulação das matérias primas, do produto já confecionado e do seu transporte – não há contaminação cruzada, que é o maior risco que existe para os celíacos. Em Portugal, são 15 os espaços com certificado Glúten Free, estando dois na área do Porto.

 

O que mudamos em casa?

Para evitar a contaminação, toda a família passou a consumir alguns produtos sem glúten: massas sem glúten (esparguete, cotovelos, massinhas para a canja, tagliatelle, bases de pizza, noodles de arroz para fazer a aletria), as farinhas sem glúten (optem pela farinha de milho) e cereais sem glúten. Atenção que esta isenção alimentar nos restantes membros da família só deve ser feita depois deles serem rastreados para doença celíaca, sob pena de tornar mais confuso o seu diagnóstico. E o rastreio de familiares assintomáticos é uma prática aconselhada.

Em casa, para evitar a contaminação cruzada tenho uma tábua de corte que é usada somente para alimentos sem glúten. Sempre que a uso lavo bem, pois, a bancada é compartilhada por alimentos com glúten.

Adquiri uma torradeira e sanduicheira para ser usada só para produtos sem glúten. Tenho sempre de me certificar que o espaço que estou a usar para preparar o alimento esteja isento de glúten (sem migalhas ou pó de farinha de trigo, por exemplo).

Cozinho o alimento isento de glúten primeiro e reservo, antes de fazer qualquer coisa com farinhas regulares (raramente acontece, pois passei a usar apenas farinhas de milho). Ao fazer sanduíches, faço as sem glúten primeiro – caso contrário, não me posso esquecer de lavar as mãos depois de tocar em pão normal e antes de tocar no pão isento de glúten.

Optei por duplicar as embalagens da manteiga, do doce de morango e da Nutella (tanto açúcar, eu sei, mas só para dias especiais…), pois, como tenho mais duas miúdas em casa, evitamos a contaminação que possa existir pelo uso das mesmas facas ou colheres quando queremos barrar pão.

Certifico-me de que as panelas, utensílios, etc., que são usados para outros alimentos estão completamente limpos antes de os usar para alimentos sem glúten. Adquiri um conjunto separado de utensílios com superfícies porosas, tais como, colheres de pau, para confecionar os produtos sem glúten, pois podem reter algumas partículas de glúten após a limpeza.

 

E na escola?

Para que o almoço da minha filha fosse isento de glúten, foi necessário apresentar uma declaração médica que explicasse a Doença Celíaca, por forma a informar as entidades responsáveis pelas refeições escolares. Os lanches são feitos em casa.

Nos aniversários dos colegas, a minha filha já sabe que não vai poder comer bolo nem gomas; por isso, já tem, num armário da escola, bolachas, biscoitos e gomas isentas de glúten.

Joana Teixeira

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