Desamigar 

 

De repente, a palavra desamigar passou a fazer parte do vocabulário quotidiano. O contributo das redes sociais terá tido um papel fundamental nesta realidade. Este verbo transitivo direto ou pronominal transformou-se num fenómeno que ajuda a contribuir para a superficialidade com que se conduzem muitas das relações humanas. À primeira vista, o vendaval desamigar parece fazer arrancar pela raiz muitas das bases mais essenciais do ser humano, como por exemplo as emoções ou as memórias, mais ou menos antigas. De repente, parece fazer-se magia ao deixar cair o dedo indicador em cima de uma tecla, apagando-se alguém. A verdade é que a única coisa que conseguimos apagar são apenas imagens, algumas fotos ou meia dúzia de palavras escritas e apenas relativas a quem nunca se tenha cruzado connosco a sério.

As recordações e os momentos da nossa vida não se apagam, porque as pessoas não se podem apagar, muito menos os amigos e os afetos.

Infelizmente, o desamigar assume também outras formas e disfarces. Nos dias de hoje, com atenção, conseguimos dar conta dele nas empresas, por exemplo, quando se excede a sobrevalorização do capital financeiro e se descuida o capital humano, transformando-o em desemprego. Igualmente, na sociedade, o vemos transformado constantemente em violência doméstica, exclusão social ou racismo, entre muitos outros.

A meu ver, despois da tempestade que traz o “desamigar”, não chega a bonança. No lugar desta, fica um buraco enorme por preencher. Aos poucos, vai sendo tapado com pedaços de solidão, proporcionais à intensidade com que desamigamos ao longo da nossa vida.

Talvez como desculpa, ou como tentativa de culpabilizar apenas os outros pelo nosso vendaval “desamigar”, transformamo-lo numa doença que apareceu subitamente, fazendo parecer que em nada contribuímos para isso. De imediato, procuramos os alimentos milagre feitos de gengibre, aveia, mel ou linhaça, como se estivéssemos perante um problema meramente inflamatório ou de falta de antioxidantes.

Porque somos humanos, não será possível tomarmos o mesmo procedimento do melhor amigo do homem, aquele de quatro patas, que não conhece a palavra desamigar.

Os vendavais não acabam. Resta-nos aprender com eles. Construir abrigos, de preferência coletivos. Os buracos serão menores e a solidão terá, assim, muito pouco por onde entrar.

 

Nota sobre o autor

Chamo-me José Rodrigues, tenho 49 anos, casado e pai de dois filhos lindos. Sou consultor, formador e lidero uma empresa de consultoria que formei há 20 anos.

Adoro escrever. Talvez por servir para exorcizar todos os meus fantasmas. Talvez porque o meu mundo profissional, tremendamente ligado a números, faça com que muitos dos meus dias e noites se acalmem através da escrita. Tenho dois romances publicados e no mercado ( “O Rio de Esmeralda” e o “Voltar a Ti), mas antes deles escrevi um outro ( “Boas memórias de um mau estudante”) acerca do tema que mais me fascina e que me faz seguir atentamente o Elefante de Papel – a memória!

Todos os dias escrevo sobre quase tudo o que me vem à cabeça ou me preocupa.

 

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