(De)composição
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Tem as mãos vazias. O vento gelou-as. Desfez-se, em suas mãos, desfez-se… pela agonia, pela maldade, pelo vazio cheio de gritos mudos. Desfez-se. Chora o coração desfeito no fim da larga avenida. Nem tampouco serve para o enterrar, para que, de quando em vez, se deixe uma flor em homenagem singela. Desfez-se sem aconchego, sem colo. Tocam os joelhos no chão húmido. Abruptamente, por ter-se deixado cair inerte. As lágrimas dão conta de um corpo sem sangue. Cerrou as mãos e sentiu no rosto o beijo terno da morte. E esta humidade que embrulha os joelhos em frieza, de uns joelhos que já nem isso são, de um frio que já nem isso é, por não ser a vida nada mais.
Tantos outros dias se passaram.
Sentou-se e viu rolar as folhas de outono.
Viu o vento soprar e as nuvens aos chuviscos. Sentada.
Viu chegar o inverno, de manso. Abruptamente.
De manso.
De uma só vez. De vez nenhuma. Não se levantou. Choveu a potes.
O vento deixou de o ser para ser outra cousa, ventania desalmada. Voaram as folhas de outono. Rolavam elas antes.
“Haverá o amor de passar, de rolar, de voar…” diria a Esperança sua mãe, já desfeitas, a Esperança e a esperança, culpa dos Homens e do coração desfeito. Veio-lhe à lembrança que um papel devia escrever, para pôr na algibeira, para quando a encontrassem desfeita como sua mãe e seu coração. Escreverá “É meu nome Paz, tenho 15 anos. Sou órfã, não sei de meu irmão Salvador. Viemos pelo refúgio, encontramos morte. Chamem-me Paz e enterrem-me. Chamem-me pelo nome, que é meu nome Paz e não refugiada.”
– Que imaginação Paz! Composição sublime! O que é isto de ser refugiada?
– Foi um pesadelo que tive professora, nunca ouvi
– Pesadelo Paz… não é real…
Nota sobre o autor
Nicolau Benjamim, pseudónimo de Gabriela Pacheco.
Gabriela tem 29 anos e é Gestora de Formação.
Nicolau é outra coisa, a melhor: é sonho, é palavras… na pele, na alma e no corpo. Escreve por inevitabilidade.
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