Correr de olhos fechados …

… para os braços de alguém requer um elevado grau de confiança em nós próprios e no outro. Quer sejamos crianças, quer sejamos adultos. Uma confiança que apenas se adquire caso as nossas relações primordiais, com os nossos pais, mães ou outros prestadores de cuidados, tenham sido muito satisfatórias. Mas que relações são estas? Que características devem ter? E será que na idade adulta as relações têm as mesmas características que na infância?

 

No vínculo que se forma na infância, com os nossos progenitores, muito mais que a relação mãe (ou pai ou cuidador) – criança está em jogo. O estilo de vínculo adoptado manter-se-á connosco para o resto da vida, influenciando aspectos tão simples, e simultaneamente tão complexos, como a forma como nos relacionamos com os parceiros amorosos. Ao falar de vínculo é essencial falar dos primeiros anos de vida. Face à primeira figura que o bebé discrimina (chamar-lhe-emos mãe – mas também pode ser o pai, uma figura materna/paterna, prestador de cuidado), este passa a sentir e desenvolver um enorme prazer na companhia dela. A mãe, é o refúgio onde a criança volta depois das explorações, quando se sente cansada ou com medo (Bowlby, 1969,1979). É essencial para a saúde mental do bebé que exista com a mãe uma relação calorosa, íntima e contínua. Esta relação, complexa e rica, está na base do desenvolvimento da personalidade, saúde mental e competências sociais. Estas primeiras interações com a mãe definem a intensidade deste apego fundamental. Quanto mais rica e contínua, mais forte. Este relacionamento é mantido por dois tipos de comportamentos: os de assinalamento (choro, sorriso, balbucio e o erguer dos braços) e os de aproximação (seguir a mãe, agarrar e sucção não-nutritiva). São tipos de comportamento por parte do bebé que não devem ser ignorados ou desvalorizados.

O aumento, a manutenção e o restabelecimento desta proximidade desejada são princípios fundamentais deste comportamento vinculativo, ou de apego. Quando a mãe se afasta, o comportamento de apego é activado. Uma das preposições do vínculo é o de conferir à criança a confiança que a mãe ou figura materna estará lá quando ela precisar ou, caso estejamos a falar de um adulto, que a pessoa com quem está vinculado (em relação) vai estar presente quando precisarmos dela. Uma criança sem cuidados da mãe desencadeará uma sequência, composta por três fases, de comportamentos: protesto, desespero e desligamento. Estas reações também são comuns na idade adulta, mais especificamente quando se perde um parceiro amoroso, quando se termina uma relação, sendo que na idade adulta ainda existe uma quarta fase, de reorganização. Este vínculo tem quatro características e funções fundamentais: mantém a proximidade, despoleta ansiedade quando nos separamos do Outro, permite-nos sentir o Outro como um refúgio e também como transmissor de calma e segurança. Surgindo habitualmente nos primeiros oito meses de vida, este vínculo forma-se com o principal prestador de cuidados, tem o seu início com a proximidade física (devido ao choro e a consequente atenção dos pais) e leva ao alívio de stress.

 

Em 1979, Bowlby afirmou que há uma relação muito forte entre as experiências do indivíduo com os pais e a capacidade posterior para estabelecer novos vínculos afectivos. Tal acontece porque os tipos de vínculo tendem a manter-se estáveis durante o desenvolvimento. Os laços amorosos tendem a ser réplicas do vínculo inicial e continuam a ser o melhor método para estudar o vínculo em relações amorosas na idade adulta, seja em relações heterossexuais ou homossexuais (Mohr, 1999).  Entre os 10 e os 16 anos a maior parte dos jovens considera que a proximidade com os pares (amigos) é o ideal, mas a principal fonte de segurança e suporte continuam a ser os pais. Já em plena adolescência os quatro aspectos fundamentais do vínculo tendem a ser transferidos para os parceiros amorosos ou amigos. Tais resultados vêm ao encontro da ideia de Bowlby, que afirma existir uma grande importância da atração sexual para a mudança no quadro vinculativo.

Contudo a pergunta mantém-se “Como é que os adultos se vinculam?” A resposta surge através de um modelo proposto por Hazan e Zeifman (1999) que explica o desenvolvimento e passagem de um par sem ligação para um par vinculado. Tipicamente, primeiro há uma pré-vinculação durante a atração ouflirt,seguindo-se a concretização da vinculação, isto é, ficar apaixonado. Depois da fase da paixão, caso o casal ainda sobreida, vem uma fase mais calma, do chamado amor companheiro e o de se pode criar um visão com objetivos comuns.

 

No entanto, também temos de considerar as situações em que não é possível criar uma vinculação saudável, em que estas fases, em cima descritas, não se conseguem cumprir. Quando tal acontece, podem surgir quadros psicopatológicos como os da Perturbação Reactiva da Vinculação, em que a criança não procura a figura de apego para obter conforto, apoio, proteção, segurança ou redução da ansiedade de separação. Na idade adulta, podem encontrar-se baixos níveis de afeto, poucas relações sociais, episódios de irritabilidade elevados (sendo que estes também podem ser comuns nas crianças, face ao adulto). Podem contribuir para a criação deste quadro psicopatológico a longa exposição da criança a formas de negligência, a baixos níveis de estimulação afetiva e privação social. A ausência de resposta por parte do adulto com quem a criança está vinculada (ou a mudança constante de adulto, impossibilitando a criação de um vínculo estável), às necessidades básicas da criança contribui de forma acentuada para a possibilidade de surgir esta perturbação. Apesar de ser uma perturbação rara, mesmo em contextos de abandono graves, uma vez que a criança, e o adulto, tendem a realizar vinculações selectivas de forma a assegurarem a sua sobrevivência e a sua manutenção como seres sociais, esta perturbação pode ser identificada clinicamente.

 

Na Casa Estrela do Mar estamos bastante atentos a estes comportamentos dentro das famílias, e nos indivíduos que nos procuram. Nem todos conseguimos correr de olhos fechados para os braços de quem gosta de nós. Se tiver dúvidas sobre qual a melhor forma de chegar ao seu filho ou ao seu parceiro, ou se estiver a encontrar dificuldades na forma como expressa os seus comportamentos e afetos venha falar connosco.

Casa Estrela do Mar

 

Referências fundamentais

Bowlby (1973), Hazan & Zeifman (1999)

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