Esta é a minha luta: Com quem é que se fala quando se tem cancro?

Não tenho dúvidas que quem está de fora sofre mais. Digo-o sem qualquer tipo de falsa modéstia, que abomino. Digo-o porque é verdade. Já estive do outro lado e é terrível. A nossa imaginação consegue perspectivar coisas que vão para além daquilo que se passa na realidade. A frustração e a impotência face à situação são demolidoras. Percebo e agradeço quando me dizem que sou uma guerreira. Mas não me faz sentido. Só estou a fazer pela vidinha (literalmente) como milhares de pessoas o fazem diariamente, por diversos motivos. Sim, sei que sou resiliente. Há quem me chame torta e casmurra. Lido bem com isso porque é verdade e não faz mal. Muito dificilmente me vejo a ir abaixo e entregar-me ao sofrimento. Não o faço pelos meus e por mim. Não vou dar esse gostinho a este “merdas”.  Aquilo que eu puder evitar que ele me roube, evitarei. A pior coisa que lhe posso dar é o meu sorriso. Então que assim seja!

Sempre gostei de ser eu a controlar a minha vida. A fazer as minhas escolhas. Assumi-las. E é o que tenho tentado fazer em toda esta experiência, pelo menos até me ser possível. Tenho aprendido, às vezes a custo, que há coisas que não se controlam e que te resta aceitar e seguir, por mais difícil que seja. Tenho estado sempre rodeada dos MEUS em todo este processo. Não são muitos mas são os que preciso. A família, os amigos e aqueles amigos que já são família. Cresci a ouvir o meu pai dizer que os amigos se contam pelos dedos de uma mão. Ter amigos requer empenho, dá trabalho e é preciso manter e alimentar. Os pais têm sempre razão. Com o tempo percebi isso. Tenho muitas pessoas de que gosto na minha vida, mas amigos, aqueles que se enquadram nesta definição, não são muitos. Mas mesmo estando presentes quase diariamente, a questão que se coloca é com quem é que se fala sobre isto? Sobre o que nos tira o sono? Sobre o que nos faz chorar? Sobre o medo? Sobre o que não queremos que nos aconteça? Sobre a morte? Fala-se do que se passa e de como estão a correr as coisas. Mas e do resto? Nunca falei com ninguém sobre o que verdadeiramente penso sobre isto. Não consigo. Acho cruel para eles fazê-lo. Talvez o mais próximo de o conseguir seja o Ruben, o amor de toda a minha vida, o meu melhor amigo. Porque ele está lá, ao meu lado, na cama, quando me dão aqueles ataques de choro em que quero abafar o som e não consigo. Mas não se fala muito. Abraça-se, beija-se, ama-se e supera-se.

Encontrei na escrita a minha aliada. Falo comigo e chega. Não me sinto no direito de lhes pôr o dedo na ferida, de os fazer descobrir novos fantasmas. Penso muitas vezes se isto só se passará comigo. Será que as outras pessoas na minha situação sentem o mesmo? Tento acompanhar grupos de partilha mas nunca me faz sentido o tipo de exposição que é ali praticada. Não critico. Nada mesmo. Cada um deve fazer aquilo que lhe parece fazer sentido. Somos todos diferentes. Para mim, o que está escrito ganha outra dimensão. Ajuda-nos a tornar claro, a tornar definitivo. Não sei explicar. E é algo que fica para sempre. As palavras têm esse poder.

Despeço-me com amor.

 

Um beijo,

Irina.

 

PS: E tu, o que tens hoje a agradecer na tua vida?

 

 

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12 comentários em “Esta é a minha luta: Com quem é que se fala quando se tem cancro?

  1. Irina, não falhei um texto seu. Não se define como guerreira, mas poucos lutariam com a sua avidez. Obrigada pela partilha, pelos fantásticos textos e pela forma tão generosa como falou de si, da sua família e como lidou e lida com este “merdas”. Tudo de bom é o que lhe desejo. Posso perdir-lhe algo? Não abandone a escrita. Sabe bem ler o que o seu coração dita, escutar o que a sua alma sente e sentir o que as palavras nos transmitem. Obrigada, a si, pela partilha. Bem-haja! Margarida

  2. Poderia ter sido eu a escrever este texto. É exatamente isto. Falo comigo mesma. Passei a apreciar os momentos sozinha e preciso mesmo deles.

  3. Adorei… Adorei toda a descrição….
    Realmente, sem dúvida alguma, que a escrita, tem outra dimensão.
    Parabéns pelo texto(s)

  4. Fala-se com o espelho, com os amigos que contam com os dedos de uma mão, fala-se com o papel – oh, se se fala! – fala-se com os piores pensamentos, e com os melhores também. Abraço os meus filhos, companheiros que me fazem ser tão resiliente. Poupo o papi, falo com a minha mãe, até há dois anos, sempre que era possível, precisava de não a preocupar, apesar de ser, ela própria, mais guerreira do que eu, agora falamos sem nos vermos, mas não nos calamos. Dias há que nem falo com ninguém, nem comigo. Canso-me das conversas sobre os mesmos assuntos.
    Coisas minhas.

  5. Olá Irina, estou na mesma situação. E revejo cada palavra como sendo minha. Por vezes temos o medo que ele volte e temos medo desse medo e maior é o medo em pensar quanto mais em verbalizar, porque tudo aquilo que pensamos os Universo dá-nos de volta. Mas, por vezes, esses pensamentos saltam e é impensável sequer partilhar com aqueles que nos acompanham neste luta. Eu sofro mais em vê-los sofrer, por me verem sofrer, do que sofrer eu em silêncio…
    Um beijinho no ❤

  6. Como me revejo em todas as palavras. Achamos que controlamos a nossa a vida e de um dia para o outro,cai por terra, todos os nossos planos. E a verdade é que descobrimos quem são os nossos amigos, quem está ao nosso lado por querer o melhor de nós…. Mas no final estamos sozinhas, porque os piores pensamentos ficam para nós, as angústias dos tratamentos, dos exames. Não podemos partilhar tudo e partir ainda mais o coração de quem está perto.
    Beijinhos e muita força!

  7. Irina, revejo me em cada palavra sua. E também há coisas que só consigo falar comigo própria e com Deus. Guerreiras? As pessoas não vêem que se trata de sobrevivência? E os que morreram, não lutaram? E se há algo que está doença não me tira é a alegria de viver.
    PS: Agradeço a vida todos os dias.

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