Cinema Paraíso

Parece que há lágrimas que não secam nunca. Não sei de onde vêm, tão depressa, ditatoriais, impondo-se quando digo o teu nome, como paga pela veleidade de te enunciar, de te ir enunciando a medo, timidamente, dois anos depois da tua ausência (teimam em dizer-me que morreste)

Continuo a ver-te na rua

E nos jardins

E nas bibliotecas

E nos poemas

E nos olhos de despedida da avó.

Continuo a ouvir-te cantar e o teu riso habita a escada da minha casa

A tua gargalhada, aquela que me devolvia a alegria e resgatava sempre do sítio mais escuro onde estivesse.

Ouves-me?

Sinto-te ao meu lado no cinema, Cinema Paraíso, sem trocarmos palavra, a ficha técnica a passar-nos em frente aos olhos, os nossos soluços sem idade, a noção da perda, da saudade que já sentíamos um do outro.

Lembro-me das tuas lágrimas – choravas muito por coisas bonitas, o mundo emocionava-te, ensinaste-me isso, esse arrepio de estarmos vivos e testemunharmos a beleza como um roubo, um assalto permitido, a alegria da desobediência, o imperativo de sermos felizes.

Lembro-me das tuas lágrimas – choravas quando se celebrava o amor, pleno, livre ou censurado, o amor verdadeiro, aquilo que nos move. A paixão insubmissa e todos os seus escudeiros (e lá vem o Cinema Paraíso outra vez e aquela relíquia sequência final que resume tudo, e a música que a abraça que, tal como o teu nome, não consigo enunciar, a música que te evoca e me evoca as lágrimas ditatoriais, procuro-te, sou pequenina outra vez, dá-me a mão, vamos passear, éramos tão bons a passear).

Teimam em dizer-me que morreste.

Continuo a ver-te na rua.

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