Cartas Mortas
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-Acautelou-se ela antes de partir, assim o decidiu, ao te deixar esta carta. Pouco diz, mas diz o que acha. É o que é. Tanto quanto a uma já morta, por vontade sua, se pode
-O que é isso de se acautelar quanto a morte se escolhe?
-Estranhas a prudência de não nos deixar a divagar sobre o motivo?
-Tão parca e nem poupou a vida. De que lhe serviu a parcimónia.
-Recompõe-te que a ti não te cabem esses julgamentos!
-Dá-ma! A carta.
“Morre um pedaço de podre de cada vez que morre um Homem. Respira o mundo de alívio.
Sofre, a terra, por ter de o deglutir, ao podre, na sua nobreza de transformar o podre em fertilidade.
Transforma a terra, o morto podre, em vida. Respira o mundo.
O alívio por ter morrido um pedaço de podre.
Brindam os Deuses ao alívio, por estar o mundo mais limpo, mais puro. Que se vá de uma vez o podre!
Pelo corpo dos Homens, o podre!
Acabe-se com o podre do mundo pela morte dos Homens.”
-Dá-mo! O lápis que no bolso tens!
-Se a carta já te dei para quê o lápis?
-Por conta da
-Não a lerá!
-Recompõe-te…
“E morre, de cada vez que morre um Homem, vida. Que transforme a terra, em fertilidade, os abraços negligenciados, os olhos que nada vêm, o podre. A estar o mundo limpo, não mais se tinham os beijos, os abraços, a esperança, o amor. Por não saberem as flores abraçar nem os rios esperança ter.Por não sentir o vento amor. Que se despoje o Homem do podre de vez… e não te teria sido a morte do corpo precisa!
Que se vá de vez o podre, pelo coração inanimado dos Homens, o podre.”
Carmo, 19902020
Nota sobre o autor
Nicolau Benjamim, pseudónimo de Gabriela Pacheco.
Gabriela tem 29 anos e é Gestora de Formação.
Nicolau é outra coisa, a melhor: é sonho, é palavras… na pele, na alma e no corpo. Escreve por inevitabilidade.
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