Carta ao pai que nunca vi…

Querido pai,

É quase meia-noite, já vesti o pijama, já lavei os dentes e estou pronta para mais uma noite de sono; daqui a nada a mãe vai entrar pela porta com o sorriso doce de sempre, com o brilho no olhar de sempre e vai fazer a mesma pergunta de sempre: “Então, a minha princesa está pronta para o mundo dos sonhos?”

E eu vou dizer que sim, a mãe vai dirigir-se à estante que está junto à minha cama, vai pegar numa história ao acaso e vamos ficar as duas a ler, no colo uma da outra, como sempre fizemos até aqui. Vamos estar ali as duas juntas, abraçadas uma à outra num momento intenso e aconchegante de partilha de tudo, vai ser um momento só nosso como os muitos que nunca tive contigo; mas que adorava ter tido.

De soslaio, no meio dos mundos encantados, das muitas lutas do bem contra o mal e dos príncipes e princesas, olho o relógio e lembro-me… O dia do pai já passou.

Sabes pai, antes de me deitar, de lavar os dentes e de vestir o pijama, fui à sala deixar o teu presente do dia do pai em cima da mesa, sempre esperando que seria este o ano em que no dia seguinte: o teu dia, iria acordar com a euforia e ansiedade típicas de criança para desatar a correr até à cozinha, para te dar o abraço apertado que até hoje nunca te dei e o beijo rechonchudo que todos os pais merecem neste dia. Mas, hoje de manhã, acordei e ainda cheia de sono, descalça e de pijama vestido, desatei a correr até à sala para ver se tinhas aberto a prenda que eu te tinha deixado lá na noite anterior e a desilusão que senti fez-me chorar muito, sabes porquê? A prenda continuava precisamente no mesmo sítio aonde a tinha colocado e por abrir, o que significava que continuavas a ser um pai ausente na minha vida, que iria ter que pegar em mais um embrulho e guardá-lo no armário do sótão, quem sabe um dia tu regresses e possamos abrir todos os presentes juntos como eu sempre sonhei.

A mãe ouviu-me chorar e entrou na sala a correr preocupada com a minha tristeza que era visível ao mais ínfimo raio-de-sol, que se ouvia por entre o barulho do silêncio das madrugadas, deu-me um abraço apertado daqueles que só as mães sabem dar e depois ficamos um bocadinho no sofá a falar de ti. Perguntei-lhe por ti, como és e o que fazes, porque é que te foste embora, no meio de tantas questões – muitas delas difíceis de responder –, ela não se mostrou nada insegura e muito menos preocupada, com a calma que a caracteriza e de sorriso nos lábios, respondeu-me a todas as questões e dúvidas.

Disse-me que tu até és uma pessoa boa, mas que andas sempre muito ocupado, daí não dares muitas notícias, no entanto, ela também me disse que apesar da tua prolongada ausência tu gostas muito de mim. Disse que és: alto como as nuvens que balançam no céu, que tens uns olhos grandes e expressivos como os vastos campos verdes, que tens o cheiro a girassol nos cabelos e que a tua pele é suave como mel. Será que és parecido com os príncipes encantados das minhas histórias de encantar?

Sabes o que mais me dói?

Imagina só… a falta que me fazes. Todos os filhos precisam de um pai. Eu preciso de um pai, preciso do meu pai, preciso de ti. Fazem-me falta as brincadeiras que os filhos só fazem com os pais, os passeios endiabrados de bicicleta que deixam sempre as mães inseguras, de coração apertado e em apuros. Os filmes que só os pais gostam de ver: sozinhos com os filhos; o colo que só os pais sabem dar; as histórias que, só os pais, sabem contar aos filhos; os abraços que só tu e eu podíamos trocar.

É isso que me faz falta, esse é o vazio que falta preencher no meu pequeno corpo de criança para poder crescer em harmonia e sem feridas por sarar. Sabes, na verdade, nem te culpo por essa tua maneira de ser e estar na vida e com os outros, foi apenas a tua escolha e muitas vezes os adultos também fazem más escolhas. A mãe diz que os pais não devem pôr o trabalho à frente dos filhos porque nós somos mais importantes que tudo, que somos a prioridade. Infelizmente, eu não tenho essa prioridade na tua vida. No entanto, nunca te esqueças que independentemente de tudo, eu e tu iremos estar sempre ligados: ontem, hoje e amanhã.

Hoje, a minha escola convidou os pais para acompanharem os meninos à escola para participarem na festa do dia do pai. Havia imensas atividades: pintura, música, teatro e até uma oficina de cozinha. Fiquei mesmo triste porque era a única menina da turma que não levava pai, fui diferente, porque faltava o meu pai, porque não tinha um pai e porque era a única que tinha uma mãe que era mãe e pai ao mesmo tempo. Foi um dia triste, quando devia ter sido um dia de felicidade para celebrar a existência da figura paterna, para te dizer “obrigada, pai”. Mas acredito que um dia tudo será diferente, um dia perceberás que afinal eu faço falta na tua vida e que nenhum trabalho que possas ter conseguirá ser tão importante como a existência de um filho.

E passou um ano e o teu dia chegou novamente e a rotina é a mesma de sempre: peguei no teu presente e fui deixá-lo em cima da mesa da sala, sem expectativas, sem ansiedade, e sem querer mesmo nada em troca. Vesti o pijama, lavei os dentes e sentei-me na cama a aguardar a chegada da mãe para a história do costume. No dia seguinte, levantei-me, vesti-me calmamente e em passos lentos fui à sala ver se desta vez tinhas aberto a prenda, surpreendi-me: o presente não estava no sítio aonde tinha deixado. A curiosidade de criança cruzou-se com a comoção do teu olhar, encontrei-te sentado no sofá com o presente na mão. Não queria acreditar porque estava a acontecer tudo como eu sempre tinha sonhado desde que te tinhas ido embora.

Apesar da tua prolongada ausência, não consegui deixar de correr para ti e de te abraçar, beijaste-me como só um pai beija um filho, senti o arrependimento na tua voz e a vergonha nas mãos trémulas. O dia porque tanto tinha esperado, finalmente, tinha chegado, íamos abrir juntos todos os presentes do dia do pai que eu tinha guardado religiosamente até ao dia de hoje.

Passamos o dia todo juntos, a fazer todas aquelas coisas que os filhos fazem com os pais. Hoje foi dia do pai…

E tu estiveste comigo!

Nota sobre a autora:

Nome: Ana Ribeiro

Idade: 33 anos

Ocupação: escritora e blogguer

Motivação para a escrita: Escrever é viver.

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