Carta a uma filha que faz 16 anos
Publicado a na categoria Memória de Elefante
Fazes 16 anos, meu primeiro e doido amor. Nasceste no Solstício de Verão, 21 de Junho de 2002. Solar, toda tu.
Eu tinha 26 quando te vi pela primeira vez e nunca me vou esquecer desse momento inicial de encantamento e medo. Senti tanto medo.
Dizem-nos que sabemos logo tudo quando os filhos nos nascem mas não é verdade. Fiquei toda a noite a observar-te e a tentar perceber cada barulhinho que fazias, a medir-te os vagarosos gestos. Deitei-te ao pé de mim contra todas as regras da maternidade (eu sabia que não ia adormecer) e assim fiquei acordada na minha primeira insónia de mãe a repetir em silêncio: “caramba, sou mãe”.
Era a primeira noite do resto das nossas vidas e decorei cada detalhe de ti. Fiz-te um mapa adivinhando que como um mundo te irias expandir e eu queria saber caminhar-te, ao teu lado, sem imposições, estar presente na tua viagem. Eu, que era tão filha, e ainda me sentia, de certa forma, uma criança e, agora, era também tua mãe. Tua mãe para sempre. Sabes que nessa noite chorei a pensar nisso?
Hoje fazes 16 anos e tem sido uma viagem incrível. Como todas as grandes aventuras, também a nossa vai tendo alguns acidentes de percurso, mas em cada queda, uma aprendizagem, porque sempre que cais eu ajudo-te a levantar. Quando eu caio, tu estás lá para me amparar e, das poucas vezes em que caímos as duas, conseguimos rir às gargalhadas antes de nos reerguemos. Mesmo nos piores momentos (sobretudo nesses, diria).
É muito curioso o nosso equilíbrio. Não sou a tua melhor amiga (nem quero!) mas sei que sabes que podes contar comigo para tudo. Temos um espaço de conversa só nosso em que tudo é falado, debatido e desabafado sem qualquer obstáculo. Tenho muito orgulho nesta relação que construímos porque, no amor, é preciso saber construir o vínculo, torná-lo resistente e único. Torná-lo nosso.
Como é possível já teres 16 anos? Lembro-me dos meus e estão ali ao dobrar da esquina de ontem. As amigas, o primeiro grande amor, as inseguranças, a descoberta de um mundo desigual para as mulheres e logo a vontade de o mudar. Tens isso de ti, não sei o que herdaste de mim porque sou eu que todos os dias me vejo crescer nesta vertigem que é ser tua mãe.
Desde pequenita que me tiras do sério e me fazes rir às gargalhadas na mesmíssima medida. A verdade é que tens muita graça, um sentido de humor desarmante, só teu. Na longa travessia dos elefantes, eu vejo o recorte da tua figura na penumbra do entardecer e, ali, a atravessar as ondas de calor que desfocam a visão dos mais distraídos, sempre a acompanhar-te, o perfil desenhado do teu bisavô que, quando nasceste, te escreveu a mais bela carta de amor:
“Terceira Canção para Leonor
Para ser cantada com a música que contigo nasceu”
(Angie, The Rolling Stones)
Leonorinha, Leonorinha
Corre, corre atrás do Sol
Que os teus pezinhos conduz.
Leonorinha, Leonorinha
Mas que lindo futebol
Jogar com a Bola de Luz
Leonorinha, Leonorinha
Tu vais feliz na corrida
A sorrir, lesta e impávida.
Leonorinha, Leonorinha
Brinca, brinca destemida
Com o teu Sol com mãos de Dádiva
Corre, corre e vais marcar
Nas balizas do Futuro
Num jogo alegre, risonho,
Tuas mãozinhas vão dar
Bocadinhos de amor puro
Soltos da Bola do Sonho.
Mesmo longe vamos ver
Sempre, sempre, podes crer
O teu solar benefício.
Leonorinha, nosso amor,
És a a mais bela Flor
Do Jardim do Solistício!
Por Eduardo Alberto Ferro Rodrigues (teu bisavô, meu avô, o Elefante de Papel)